quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Reajuste do salário mínimo em 2013 leva a aumento real de 70% em dez anos

O reajuste de 9% no salário mínimo, anunciado neste final de ano pelo governo, levará a 239% o reajuste acumulado em dez anos, para uma inflação (INPC) estimada em aproximadamente 99%. Com isso, o aumento real dado ao mínimo nesse período vai superar os 70%. O Dieese estima que apenas o acréscimo de R$ 56 (de R$ 622 para R$ 678) deve representar um acréscimo de R$ 32,7 bilhões na economia. Segundo o coordenador de Relações Sindicais do instituto, José Silvestre, o impacto na arrecadação tributária sobre o consumo ficará em torno de R$ 15,9 bilhões.

“É um estímulo para a economia. E é talvez a política pública que atinge o maior número de pessoas, um instrumento que ajuda na distribuição de renda”, afirma o economista. Ele lembra que há no país aproximadamente 45,5 milhões de pessoas que têm, em alguma medida, o salário mínimo como referência de seus rendimentos. A soma inclui aposentados, empregados, trabalhadores por conta própria e trabalhadores domésticos.

Silvestre enfatiza a importância de existir uma política de reajustes para o salário mínimo. “Você pode até discutir a questão do critério, mas o fato de ter uma regra clara não deixa à mercê do governo que entra ou sai”, comenta. Ele também desconsidera a tese dos críticos dessa política, de que os aumentos reais “quebrariam” a Previdência ou aumentariam a informalidade no mercado de trabalho. “A história tem mostrado o contrário”, diz o economista.

A Lei 12.255, de 2010, estabeleceu diretrizes para a política de valorização do salário mínimo de 2012 a 2023, o que deveria ser feito por projeto de lei. O PL 382, de 2011, fixa critérios até 2015: reajuste pelo INPC e, a título de aumento real, a variação do PIB de dois anos antes. Em 2014, por exemplo, além da inflação, seria aplicado o percentual equivalente ao PIB de 2012. De acordo com o Dieese, se a economia crescesse 5% ao ano até 2023, o mínimo dobraria em termos reais, atingindo aproximadamente R$ 1.400.

O valor oficial segue abaixo das necessidades do trabalhador, mas não se pode desconsiderar o incremento dos últimos anos, acrescenta o técnico do Dieese. “O salário mínimo necessário chegou a ser quase oito vezes maior. Hoje, essa relação é de quatro vezes”, lembra. Segundo o dado mais recente, relativo a novembro, o mínimo necessário para um trabalhador e sua família adquirirem os gêneros essenciais deveria ser de R$ 2.514,09. Mas, com o aumento anunciado, a relação entre mínimo e cesta básica será a melhor desde 1979. Em 1995, o mínimo comprava 1,02 cesta – em janeiro, passará comprar 2,26 cestas.

Fonte: Rede Brasil Atual

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Com a palavra: Oscar Niemeyer

Entrevista em 1994 ao jornal Folha de São Paulo:

Família

Minha família vinha de Maricá [RJ]. Meu avô Ribeiro de Almeida nasceu lá. Já o meu avô Niemeyer não o conheci. Sempre morei com esse avô Ribeiro de Almeida. Ele foi juiz de direito em Maricá e depois foi para o Rio.

Ele chegou a ministro do Supremo, e a casa era muito frequentada. Ele era um sujeito correto. De modo que, em tempos de esculhambação, a lembrança dele é muito boa.

Para visualizar o infográfico que acompanha essa reportagem, é preciso baixar o Flash Player.

Morávamos numa casa feita para minha mãe. Embaixo ficavam o meu avô e os dois filhos. Em cima, nós: eu, minha mãe, meu pai e irmãos.

A gente vivia tranquilo, mas não éramos ricos. Depois de ser ministro, meu avô morreu deixando só uma casa hipotecada. Mas vivíamos bem, e eu lembro da casa grande, da maneira que a gente vivia.

Religião

Fui para o colégio dos padres barnabitas e lembro como resisti a essa ideia da religião, que era a católica. Tinha missa em casa. Mas nunca acreditei nessas coisas porque achava o mundo injusto e o ser humano tão frágil.

Diversões

Lembro-me de dois pianos, um no hall de entrada e outro na sala de visitas. O pessoal gostava de música, minha mãe cantava, minhas irmãs tocavam piano, eu jogava futebol na rua.

Boêmia

Morava perto do Fluminense, era o clube que frequentava.

Minha mocidade era o Fluminense, era o Clube de Regatas --cheguei a correr numa regata!--, era o Lamas [restaurante tradicional, na Lapa], onde a gente se reunia. Era feito um escritório. A gente ia para lá e jogava bilhar, batia papo, ia para a zona da Lapa.

Eu me lembro da Lapa. A gente ia ao cinema na avenida Rio Branco e me incomodava ver na orquestra um velhinho, que tocava violino.

Depois a gente pegava o bonde e saltava na Lapa. Tinha aqueles cabarés, um ar de vadiagem, de briga.

Depois, voltávamos para o Lamas. Lembro de quando tinha que acordar cedo, quem me acordava era o garçom do Lamas. Ele ligava para casa.

Às vezes, a gente tinha uma festa e, em vez de ir, ficava jogando bilhar até de manhã.

Vida adulta

Nunca me preocupei com nada até me casar, em 1928 [referindo-se ao casamento com Anita Niemeyer Soares, que morreu em 2004, aos 94 anos]. Envelhecemos juntos. Nesse período todo, eu não pude me queixar da vida.

Ao me casar, comecei a pensar na vida e entrei na escola. Lembro que fui trabalhar com meu pai, que tinha uma tipografia. Gostava de desenhar, e o desenho é que me levou à escola de arquitetura.

Anos de formação

Já era casado [quando entrei para a Escola de Belas Artes]. Quando me casei, estava ajudando meu pai. Eu tinha uma prima, uma senhora velha, que morou sempre com meus avós, que tinha uma casa. Vivíamos do aluguel da casa.

Eu trabalhava de graça para o Lucio Costa. Eu queria aprender, porque na escola ainda é assim. Durante a escola, o sujeito vai trabalhar num escritório de arquitetura, de construção, e recebe um salário que vai ajudando a passar esse tempo.

Mas eu, apesar de casado, não quis salário, queria aprender. Como me disseram que o escritório do Lucio era o melhor, foi lá que fui trabalhar e onde fiquei uns anos.

Le Corbusier, o papa

Eu conheci primeiro o Lucio [Costa]. Depois, foi o [Gustavo] Capanema [ministro da Educação e da Saúde entre 1934 e 1945]. Em seu governo, ele abriu as coisas. Surgiram Drummond, Mário de Andrade, expoentes que aquele clima provocou.

O Le Corbusier [arquiteto franco-suíço, um dos principais nomes do modernismo; 1887-1965] veio para fazer umas palestras e o projeto da Cidade Universitária.

Nesse meio tempo, o Lucio pediu para ele examinar o projeto [do Ministério da Educação e Saúde, atual Palácio Capanema, considerado marco inicial do modernismo no país, 1947]. Então, ele fez outro projeto, linear. Ele é o autor. Sempre dissemos isso. Fomos uma equipe unida.

O mais importante foi o contato que eu tive com os livros dele. Porque o que ele escreveu influenciou gerações. Depois que ele saiu daqui, me senti mais livre. Naquele tempo, a gente estava no caminho da arquitetura moderna. Ainda presos a preconceitos. Sua ideia de que arquitetura é invenção me libertou.

Projeto da sede da ONU

Fui convidado, com dez arquitetos estrangeiros, para projetar a sede da ONU. Fui como representante do Brasil e, no dia em que cheguei, o Corbusier me telefonou.

Fui encontrá-lo na Quinta Avenida. Ali ele explicou que havia dúvidas sobre o projeto dele --cada um apresentava um projeto-- e queria ver se eu ficava do lado dele.

Disse que sim, ele era o mestre mesmo. Então, fui para o escritório e comecei a ajudar.

Passaram-se os dias e o diretor do serviço me chamou e disse: "Oscar, chamei você para fazer o projeto como os outros, não para ajudar o Corbusier".

Disse: "Bom, mas eu acho que o projeto dele é o melhor". Ele respondeu: "Não, eu preciso ver o seu". Falei com Corbusier, que disse: "É melhor você fazer o seu, estão esperando".

Aí fiz, e meu projeto foi aprovado. Então ele disse que queria que botasse a assembleia no meio [como previa o projeto de Corbusier]. Eu não queria, mas ele insistiu. Sentia que estava meio constrangido.

Então apresentamos juntos nossos projetos, que foram a base para a construção.

Ele era um grande arquiteto, só isso. Era incompreendido e egoísta. Comigo ele fez uma malandragem. Mas era um grande arquiteto.

Ângulo reto x curva

Eu não tinha muito apreço pelo ângulo reto, que Le Corbusier defendia. Achava que a arquitetura feita em concreto podia ser diferente.

Quando o espaço é maior, e o vão é grande, o concreto armado sugere a curva. De modo que a curva não é coisa imposta pelo homem. É algo que surge naturalmente.

Quando fiz Pampulha, achavam que era contra o ângulo reto. Não que não o aceitasse, mas achava que era uma arquitetura mais rígida, fria, que Mies van der Rohe [arquiteto alemão, diretor da Bauhaus nos anos 1930] tão bem fazia.

Construção de Brasília

Quando cheguei lá no fim do mundo, a terra era agreste, hostil, não tinha árvore, não tinha nada.

Na época, o divertimento era a Cidade Livre. Tomávamos caipirinha, ríamos. Todos trabalhando juntos --operários, engenheiros, arquitetos--, dava a sensação de que o mundo seria melhor.

Quando inaugurou, veio a muralha separando pobres e ricos --e Brasília passou a ser uma cidade como as outras.

Por quatro anos andamos na estrada que estavam construindo. Pegávamos o carro a qualquer hora. Tive um desastre, fiquei um mês machucado e quase morri.

O avião que ia para Brasília levava três horas. Na primeira viagem do Juscelino, fui junto. Lembro de sentar ao lado do Lott [general Henrique Teixeira Lott, ministro da Guerra de Kubitschek]. Ele disse: "Dr. Niemeyer, o senhor vai projetar prédios bem clássicos para nós, não é?". Eu respondi: "General, o senhor, na guerra, prefere arma clássica ou moderna?".

Evolução de sua obra

Quando eu fui para a Pampulha, eu queria lutar contra o ângulo reto. Depois eu fui para Brasília. Mas, antes mesmo, já senti que o racionalismo não tinha sentido. Os que lutavam por racionalismo, pureza estrutural contra a arquitetura livre, mudaram.

A arquitetura de que eu gosto é: cada um faz o que quer. É a que utiliza técnica em todas as possibilidades.

Para ser arte, ela tem de primeiro ser diferente e, depois, ser uma coisa que cria espanto, beleza.

A arquitetura que faço não aceita regras. Procuro fazer lógica, funcional, mas criando, partindo de um desenho, de uma ideia, de um croqui. Mas que seja coisa diferente.

Beleza e praticidade

Acho que o prédio deve ser correto. Mas para chegar a ser uma obra de arte, ele tem de ser bonito. E, para ser bonito, tem de ser diferente, porque arte está ligada à invenção.

Agora, às vezes querem criticar e dizem: "É, é bonito, mas não funciona bem". A gente sabe que é a mediocridade querendo se defender.

Hoje a gente não pode dizer que o Memorial [da América Latina] é ruim. Dizem: "A praça podia ter árvores".

É por sacanagem, porque sabem que na França, na Itália tem praças sem nada. O povo não se informa e se deixa levar pela ideia de que parece estacionamento. Se fosse assim, praças da Europa também poderiam ser estacionamento.

É o abrigo do homem. Serve para ele trabalhar, viver. A ideia é fazer algo bonito. Beleza sempre cercou o homem. Nosso ancestral mais antigo pintava as cavernas.

A leveza é encontrada em qualquer objeto, não é uma coisa que eu inventei. A ideia é simplificar, reduzir. Na arquitetura é isso também.

Liberdade criativa

O arquiteto não pode sair para a vida como desenhista. Ele deve saber como se comportar diante do mundo.

Em livros que li encontrei a frase que é justamente a que eu gostaria de ter escrito para explicar o meu trabalho. [Martin] Heidegger [filósofo alemão] diz que a razão é inimiga da imaginação.
Isso é o que quero dizer com arquitetura. Quero dizer que coisas que limitam o trabalho do arquiteto são ruins. Ele deve ter liberdade. Não é só a razão que funciona.

Processo criativo

Às vezes tudo é tão claro que leva logo à solução. O museu de Niterói surgiu espontaneamente por ser um promontoriozinho à beira do mar, e o projeto tinha de ter só um apoio central. Então, surgiu feito uma flor, um cálice.

O Memorial surgiu também de repente. Uma vez, lá na França, estava pensando na mesquita de Argel e fiz. Levantei de madrugada e desenhei

Projetos favoritos

A Universidade de Constantine [em Argel] tem coisas de que eu gosto mais. De Brasília, do Congresso, eu gosto. Gosto quando sinto que causou espanto, causou dúvida. Do Itamaraty todo mundo gosta. Eu prefiro a praça dos Três Poderes, a Catedral.

Arquitetura soviética

Estive na União Soviética no stalinismo. Quando ia sair da cidade [Moscou], a direção da escola de arquitetura me perguntou: "Que acha da arquitetura soviética?".

Eu disse: "Estou com vocês na política, mas, nesse ponto, não tenho argumentos para defender o que fazem".

Eles até disseram: "Bom, então faça suas críticas". Disse: "Não estou aqui para criticar, mas esta universidade, por exemplo, é muito ruim". Os espaços são pequenos. A circulação é deficiente.

Um deles falou: "Por que não apresenta as críticas ao arquiteto?". Disse: "Não. Respondo ao que perguntaram".

O arquiteto [da Universidade de Moscou] tinha me dado um quadro que fez, uma paisagem, também muito ruim.

Disse o que achei, porque na União Soviética eu tinha que responder com franqueza, não? Deviam querer isso em vez de elogios, não é?

Luiz Carlos Prestes

Eu o conheci quando acomodei no escritório uns 15 comunistas que tinham saído da prisão. Eu o conheci e, 15 dias depois, entreguei a minha casa para ele e disse: "Fique com a casa, que seu trabalho é mais importante". Às vezes, um cliente reacionário telefonava, e eu respondia: Partido Comunista Brasileiro. O sujeito tomava um susto.

Fidel Castro

Ele me convidou para fazer o projeto na praça da Revolução, mas era muito difícil chegar lá. Tinha que pegar o avião na Espanha e acabei não indo. E ele disse: "Ah! Vou mandar um navio buscar o Niemeyer".

Nós temos muita afinidade. Quando ele veio aqui a última vez, ele fez uma palestra. Quando ele desceu, o prédio, que não é de comunistas, estava todo aceso e todo mundo bateu palmas para ele.

Comunismo

Sou comunista, nunca achei que tivesse acabado. É uma ideia justa, estou velho demais para mudar de ideia.

O que ocorreu na União Soviética em 70 anos foi uma evolução fantástica. Transformaram um país de mujiques em potência mundial.

Eles foram à Lua, ajudaram todos os povos em libertação. Apoiaram todos os partidos políticos. Impediram que Cuba fosse invadida. Eles não se preocuparam economicamente, e a coisa falhou.

Crise do socialismo

O que eu penso é que o ser humano não estava preparado. Quando a gente fala em uma sociedade melhor, justa, em que todos se compreendem, tudo pede que o ser humano esteja disposto.

Cuba, por exemplo, está cercada, é o cerco mais horrível da história, e o povo está lá resistindo. É porque eles seguem o exemplo de Fidel.

Uma mudança para melhor vai acontecer quando o homem compreender que é fruto da natureza. Que é um bicho, que nasce e morre.

Quando eu faço um projeto, fico quebrando a cabeça e procuro lutar por ele, mas, no fundo, quando fico sozinho, sei que não tem importância.

Como essa conversa agora: aqui, um dia, não vai ter mais ninguém também. Penso que tanto faz ser feliz ou infeliz, a vida é um sopro, um minuto.

Oscar Niemeyer: Conversa de arquiteto

O texto "Conversa de arquiteto", de Oscar Niemeyer, foi publicado na seção "Tendências/Debates", da Folha, em 16 de julho de 2006, em que fala de soluções e preferências arquitetônicas. Leia a íntegra abaixo.




Um dia, Darcy Ribeiro me contou uma história engraçada. Tinha organizado uma mesa-redonda para debater os problemas dos índios brasileiros. Entre os convidados, havia um índio seu conhecido, e, durante uma hora, as questões foram discutidas sem que ele dissesse uma única palavra.

Surpreso, Darcy o interrogou: "Você não que falar?". "Não", foi a resposta. O nosso antropólogo insistiu: "Por quê?". "Estou com preguiça", respondeu o rapaz.

Todos riram, e eu fiquei a matutar: será que o índio não acreditava mais em certo tipo de promessa, naquelas boas intenções a que os nossos irmãos mais pobres já estão tão habituados?

Confesso que, tal qual o índio, tenho preguiça de participar de congressos, simpósios que surgem sobre arquitetura, de escutar as opiniões mais ridículas, os pontos de vista já superados, que, neles, impacientes, somos obrigados a ouvir.

Certa vez, Alvar Aalto, cansado de tais conversas, declarou que não existe arquitetura antiga e moderna. O que existe, no seu modo de ver, é boa e má arquitetura.

É evidente que Alvar Aalto tinha razão. Mas como eram limitadas, nos velhos tempos, as possibilidades de se caminhar na arquitetura!

É sempre bom exemplificar. Lembrar como era penoso para Michelangelo limitar o diâmetro de suas cúpulas a 30 ou 40 metros. É lógico que ele teria gostado de poder fazê-las com 80 metros de diâmetro, como tive a oportunidade de realizar agora no museu de Brasília.

E recordo outro exemplo de como os arquitetos daqueles tempos ficavam a sonhar soluções arquitetônicas que só agora é possível concretizar. Lembro Calendario, o arquiteto que projetou o Palácio dos Doges, em Veneza, desejoso de nele criar um espaço mais amplo e obrigado a recorrer a uma enorme treliça de madeira. Problema esse que, hoje, uma simples laje de concreto resolveria.

Não acredito numa arquitetura ideal, por todos adotada. Seria a repetição, a monotonia. Cada arquiteto deveria ter a sua arquitetura, não criticar os colegas, fazer o que lhe agrada, e não aquilo que outros gostariam que ele fizesse. E, ainda, ter a coragem de procurar a solução diferente, mesmo quando sentisse que era radical demais para ser aceita.

Reconheço, sem falsa modéstia, que não me faltou coragem para desenhar as cúpulas do Congresso Nacional, que espantaram até Le Corbusier, a nos afirmar: "Aqui há invenção". E, pelos mesmos motivos, agrada-me lembrar a praça do Havre, que projetei na França, eu a dizer ao seu prefeito diante do terreno escolhido: "Gostaria de rebaixar o piso desta praça quatro metros". Recordo que ele me olhou surpreso, mas eu falava com tanta convicção que a praça foi rebaixada como pedi.

É claro que eu tinha razão. Minha ideia era protegê-la dos ventos e do frio que vinham do mar.

Hoje, das calçadas que a contornam, o povo, de cima, a vê e, espantado, desce pelas rampas para apreciá-la melhor. Eu, pelo menos, não conheço nenhuma praça como aquela, agora tombada e escolhida um dia pelo crítico italiano Bruno Zevi como uma das dez melhores obras da arquitetura contemporânea.

Confesso que vacilei em falar desse trabalho meu com tanto entusiasmo. É um exemplo de determinação profissional que cabia aqui mencionar.

Se examinarmos a questão da intervenção da técnica na arquitetura, basta lembrarmos o seguinte: antigamente, as paredes é que sustentavam os prédios; com o aparecimento da estrutura independente, elas passaram a simples material de vedação.

E surgiram a leveza arquitetural, as fachadas livres e os grandes panos de vidro que caracterizam a arquitetura atual. E, quando, por razões urbanísticas --para encurtar distâncias--, os prédios começaram a ganhar altura, foi a descoberta do elevador que tudo tornou possível.

E apareceram os grandes arranha-céus, uma solução que espalha o caos por toda parte se não forem observados os afastamentos horizontais indispensáveis, como tão bem ocorreu na Défense, em Paris.

Não foi apenas o progresso da técnica construtiva que marcou a evolução da arquitetura mas também as transformações das ciências e da sociedade.

Na Universidade de Constantine, na Argélia, por exemplo, projetamos somente dois grandes edifícios: um de classes, e o outro, de ciências. O objetivo era atender a Darcy Ribeiro, evitar a construção de prédios separados (um para cada faculdade). Desses dois edifícios todos os alunos se serviriam, criando a troca de experiências que o meu amigo considerava indispensável.

E foi assim, atendendo ao progresso da técnica e da própria evolução social, que foi possível chegar a esta etapa do concreto armado, que abriu aos arquitetos um campo novo de possibilidades.

Sempre digo que podemos voltar ao passado por simples curiosidade, lembrar a primeira verga, o primeiro arco, as grandes catedrais, mas o vocabulário plástico do concreto armado é tão rico que com ele devemos trabalhar.

Infelizmente, a simplicidade com que se busca explicar a evolução da arquitetura não impede que, por ignorância ou falta de sensibilidade, os problemas continuem a ser discutidos da maneira mais medíocre. Uns a insistir na importância da ligação com o passado, outros a defender uma arquitetura mais simples, indiferentes à técnica do concreto armado que nos permite todas as fantasias.

É claro que ele abre aos arquitetos os caminhos mais diferentes, e o que adotamos é, em princípio, reduzir os apoios, tornando a arquitetura mais audaciosa e variada.

E, como a procura da surpresa arquitetural nos ocupa e a curva nos atrai, é nas próprias estruturas que intervimos.

Esse é o momento em que o arquiteto define a sua arquitetura --uns, como nós, voltados para a curva livre e inesperada, outros, com igual empenho, para a linha reta por eles preferida. Às vezes me perguntam qual é a razão da predominância da curva em minha arquitetura. E recordo logo André Malraux a dizer: "Guardo dentro de mim um museu de tudo que vi e amei na vida". E, como ele, é desse museu imaginário que muita coisa me ocorre com certeza, ao elaborar os meus projetos.

Na realidade, aprecio as coisas mais diferentes. Gosto de Le Corbusier como gosto de Mies van der Rohe. De Picasso como de Matisse. De Machado de Assis como de Eça de Queiroz.

Somente no campo da política sou radical, intransigente com o império assassino de Bush ou com os que, em nosso país, tentam combater o governo de Lula, que, diante dos problemas da América Latina, tão importantes para nós, tem sabido se manifestar.

Nestes momentos de pausa e reflexão é que me permito dizer que a vida é mais importante do que a arquitetura. Que, um dia, o mundo será mais justo e a vida a levará a uma etapa superior, não mais limitada aos governos e às classes dominantes, atendendo a todos, sem discriminação.

Releio este artigo e lembro Le Corbusier a escrever o poema sobre o ângulo reto, e eu a falar da curva que tanto me fascina:

"Não é o ângulo reto que me atrai Nem a linha reta, dura, inflexível, Criada pelo homem.

O que me atrai é a curva livre e sensual, A curva que encontro nas montanhas do meu país, No curso sinuoso dos seus rios, Nas ondas do mar, No corpo da mulher preferida.

De curvas é feito todo o universo, O universo curvo de Einstein."