terça-feira, 29 de maio de 2012

Em defesa do direito de defesa

Em 1956, solicitador acadêmico -o equivalente de então de estagiário-, comecei a advogar.

Exerci a atividade ininterruptamente, de forma intensa, conquanto modesta, até 2002. Parei em 2002 e assumi, extremamente honrado, o Ministério da Justiça, no governo Lula, onde fiquei por 50 meses.

Fiz uma quarentena, que não me era obrigatória, até final de 2007, quando voltei a me dedicar ao meu verdadeiro ofício, a prática legal. Ou seja, para terminar esta exposição cheia de datas, de 1956 a 2012 (56 anos) fui ministro por quatro anos. Os outros 52, devotei-os à advocacia.

Também servi à profissão como dirigente da OAB-SP e da OAB nacional. Na vida profissional, alguns momentos me orgulharam muito: as Diretas Já, a Constituinte, o julgamento dos assassinos de Chico Mendes, a fundação do Instituto de Defesa do Direito de Defesa e muitas centenas de defesas que assumi, tanto no júri como no juiz singular.

No Ministério da Justiça, a reestruturação da Polícia Federal, a construção do Sistema Penitenciário Federal, a reforma do Judiciário, a campanha do desarmamento, a reformulação da Secretaria de Direito Econômico, a implantação do Sistema Único de Segurança Pública, o pioneiro Programa de Transparência, a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol e a fundação da Força Nacional de Segurança Pública.

Foram duas fases bem distintas e demarcadas. Numa, o serviço público, trabalho balizado sob o signo de duas lealdades que nunca colidiram: às instituições e à Presidência.

Noutra (advocacia e OAB), primeiro a luta pelo estabelecimento de um Estado de Direito; depois, a prática profissional, que procurei marcar pelo respeito à ética, ao estatuto da OAB, às leis e, principalmente, à Constituição brasileira, entre cujos dogmas fundamentais estão assegurados o direito de ampla defesa, o devido processo legal, o contraditório, a licitude das provas, a presunção de inocência e, de forma geral, a proibição dos abusos.

Durante essa longa trajetória de advogado que vota no PT -não de petista que advoga-, tive muitas oportunidades de representar clientes vistos como inimigos figadais do partido. (Não cito nomes, para preservá-los.) Nenhum foi recusado por isso.

Desse modo, salvei minha independência como defensor, nunca a alienando a quem quer que fosse. A liberdade do advogado é condição necessária da defesa da liberdade.

Assim como representei centenas de clientes dos quais nunca recebi honorários, trabalhei para muitos que puderam pagar, alguns ricos, entre pessoas físicas e empresas.

Agora que aceitei representar, no campo criminal, o senhor Carlos Augusto Ramos, apelidado de Cachoeira, surgem comentários sobre a minha atuação, estritamente técnica.

Fora os costumeiros canibais da honra alheia -aos quais não dou atenção nem resposta-, pessoas que parecem bem-intencionadas questionam se eu poderia (ou deveria) ter me incumbido dessa defesa, ou porque fui Ministro da Justiça, ou então porque sou ligado ao PT e ao ex-presidente Lula, ou, ainda, "porque não tenho necessidade de fazer isso".

A todas essas dúvidas, a resposta é negativa. Nada me proíbe, nesta altura da vida -como nunca antes, à exceção do tempo do serviço público- de assumir a defesa de alguém com quem não me sinto impedido, legal, moral ou psicologicamente, cobrando ou não honorários.

Entre tantos casos importantes em que venho trabalhando, dois chamaram muito a atenção pública: esse e o das cotas na UnB. No primeiro, estou recebendo honorários; no segundo, trabalhei "pro honorem", ou seja, sem nenhuma remuneração.

Em matéria criminal, aumenta a responsabilidade do advogado, nos termos do nosso código de ética: "É direito e dever do advogado assumir a defesa criminal, sem considerar a sua própria opinião sobre a culpa do acusado". Porque, como diz Rui Barbosa, indo nas raízes da questão:

"Quando quer e como quer que se cometa um atentado, a ordem legal se manifesta necessariamente por duas exigências, a acusação e a defesa, das quais a segunda, por mais execrando que seja o delito, não é menos especial à satisfação da moralidade pública do que a primeira. A defesa não quer o panegírico da culpa ou do culpado. Sua função consiste em ser, ao lado do acusado, inocente ou criminoso, a voz dos seus direitos legais."

O fascinante da profissão é o seu desafio. Enfrentar o Estado -tão provido de armas, meios e modos de atingir o acusado- e ser, ao lado deste, a voz de seus direitos legais.

Há 12 anos, escrevi neste mesmo espaço um texto com o mesmo título: "Em defesa do direito de defesa". Não esperava ser convidado a escrever outro, sobre o mesmo tema, depois de tantos avanços institucionais que o Brasil viveu de lá pra cá.


quinta-feira, 17 de maio de 2012

É um rodízio, estúpido

Para alguns, o fato de um grupo político ser oposição ou situação de algum governo é uma questão de honradez política, decidida pela vontade soberana dos eleitores. Mas outros vêem nisso um simples rodízio.

Ou seja, para os últimos, se hoje você é oposição, mas amanhã, o governo te chamar e oferecer alguns cargos, você vai para a situação, sem qualquer problema, porque, depois de amanhã, quando as eleições se aproximarem, não causa vergonha nenhuma voltar a ser oposição, e depois da posse do governo poderá voltar a ser situação, e assim se segue infinitamente, pois, eleitor, entanda, tudo não passa de um rodízio.

Não há como negar que, ao reduzir a vontade do eleitor, que elegeu o governante (situação) e seus fiscais (oposição), a um saboroso churrasco gaúcho, o nobre ex-lider da oposição na AL-BA disse com todas as letras que está pouco se importando com o que deseja seus eleitores, porque, na sua opinião, é a vontade dos deputados que determina em que lado do poder querem eles ficar, especialmente quando um desses lados está recheado de cargos políticos.

Na verdade, o que o nobre parlamentar escancarou é que políticos do seu quilate são infiéis, não apenas à partidos políticos, mas principalmente aos seus próprios eleitores. E o pior é que não vêem nenhum desmérito nisso, porque, como diria o Deputado Justo Veríssimo, "Eu quero mais é que o povo que se exploda".

Agora, fica O Xiquexiquense sentindo vergonha alheia por um Macunaíma, aquele que não tinha caráter.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Revanche, sim

A tradição de conciliar é uma força contraditória do Brasil. Ora, nos faz avançar, porque a conciliação é mesmo o melhor caminho. Ora, é um âncora que nos prende ao atraso, porque conciliar também pode ser congelar problemas que merecem enfrentamento.

Na virada dos anos 70 para os 80, a ditadura militar de 1964 começou a cair de madura. Já havia falido a eficiência econômica do regime, hoje apontada como uma suposta virtude daqueles tempos. A Lei da Anistia de 1979 e o governo Figueiredo foram os últimos suspiros de uma ditadura que estava morrendo.

Para tentar ver com equilíbrio aquele período, invoca-se frequentemente o mito da competência tecnocrática do regime dos generais. Mas o fato é que os militares foram incompetentes na política e na economia.

Será que a nossa infraestrutura não teria prosperado muito mais com democracia? As tais obras faraônicas aconteceram pelos méritos do regime? Itaipu só foi construída por causa da ditadura? Ou muitas dessas obras foram projetos mal pensados e mal executados, como a Transamazônica e o acordo nuclear com a Alemanha?

Difícil enxergar algo de bom naqueles tempos, com exceção das músicas do Chico e da voz da Elis. A gente deve lembrar que uma geração inteira de líderes jovens foi morta, presa e torturada. E muitos que não aderiram à luta armada tiveram o mesmo destino. O Brasil perdeu talentos. Deixou de avançar porque a democracia foi interrompida. Não havia risco de golpe de esquerda nem de ditadura comunista. O país piorou com o golpe.

Hoje é um dia histórico. Vinte e sete anos após o fim oficial da ditadura, foi instalada a Comissão da Verdade. Antes tarde do que nunca. 

Invocando nossa tradição conciliatória, setores da sociedade querem que os dois lados sejam investigados, referindo-se aos agentes da ditadura e aos militantes de organizações de esquerda.

Como já registrado neste espaço em colunas anteriores, não dá para tratar os dois lados com igualdade. Os militantes de esquerda, sejam os que pegaram em armas, sejam os que optaram pela resistência pacífica, já foram perseguidos, presos, torturados, mortos e exilados. Isso não aconteceu com os agentes do Estado que, ilegalmente, investigaram, prenderam, torturaram e mataram. O foco deve ser a ditadura.

Pela lei que a criou, a Comissão da Verdade não terá poder de punição. Poderá investigar para relatar o que aconteceu. Eventuais punições dependerão de outras leis e de outras interpretações da Justiça --algo que parece, hoje, bem distante da realidade.

Portanto, não existe hipótese de revanchismo. Mas há, sim, a oportunidade para uma revanche da democracia. Como disse a presidente Dilma Rousseff, "merecem a verdade factual aqueles que perderam amigos e parentes e que continuam sofrendo como se eles morressem de novo e sempre a cada dia".

Essas famílias, presidente, merecem a verdade. Mas também a merecem todos os brasileiros, sobretudo os mais jovens. Para que nunca mais algo assim aconteça no Brasil.


Kennedy Alencar escreve na Folha.com às sextas. Na rádio CBN, é titular da coluna "A Política Como Ela É", no "Jornal da CBN", às 8h55 de terças e quintas. Na RedeTV!, apresenta o "É Notícia", programa dominical de entrevista, e o "Tema Quente", atração diária com debate sobre assuntos da atualidade.

Grande dia!

Hoje é um grande dia para o Brasil. Entra em vigor a Lei de Acesso à Informação e está sendo instalada a Comissão da Verdade. Juntas, elas ajudam a construir um país mais transparente, mais democrático e, portanto, melhor. São conquistas da sociedade.

Pela nova lei, todo cidadão, inclusive jornalistas e acadêmicos, terão o direito de reivindicar documentos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, ou seja, desde aqueles que nos informam sobre relações internacionais até detalhes de financiamentos de campanhas.

E a nova comissão vai sistematizar as informações já existentes, que são fartamente conhecidas, e juntá-las a novas para mostrar o que de fato ocorreu durante as ditaduras no Brasil. Por uma questão tática, acordou-se colocar no texto da lei as outras ditaduras, mas o foco, obviamente, é a de 1964.

Há uma corrida aos documentos e às informações de todas as áreas e há uma euforia com a Comissão, a ser instalada em clima de festa. Mas, atenção, isso é só o começo.

A partir de agora, é pressionar os órgãos e agentes públicos para realmente garantir o acesso à informação, o que significa romper uma cultura secular e não vai ser fácil. E é preciso acompanhar com atenção o debate, já iniciado via jornais, sobre os alvos da Comissão da Verdade. Os integrantes não estão se entendendo.

Eles são um time de primeira qualidade. Gilson Dipp, José Carlos Dias, Cláudio Fontelles,José Cavalcanti Filho e Rosa Maria Cunha(ex-advogada de Dilma), da área jurídica, Paulo Sérgio Pinheiro, militante de Direitos Humanos, a psicanalista Maria Rita Kehl.

Tudo indica um grande trabalho, mas eles precisam, antes, se entender. Um diz que é para apurar tudo o que houve, outro, que é para investigar torturas e torturadores. O melhor é simplesmente contar o que houve, ponto. A verdade é a verdade. O resto é meia verdade.


Eliane Cantanhêde, jornalista, é colunista da pág. A-2 da Folha e da Folha.com, onde escreve às quartas-feiras. É também comentarista do telejornal "Globonews em Pauta" e da Rádio Metrópole da Bahia.

domingo, 13 de maio de 2012

Brasil carinhoso

Queridas mães brasileiras,

Talvez seja essa a primeira vez que, desta cadeira presidencial, alguém faz um pronunciamento no nosso dia, o Dia das Mães.

Não por acaso é também a primeira vez que nosso país tem uma presidenta, uma mulher que é filha, é mãe e avó. Uma mulher que, como a maioria de vocês, já se emocionou nesta data.

Hoje quero dar um abraço cheio de alegria e esperança a todas as mães brasileiras, em especial nas que mais sofrem. Nas que passam sacrifícios para alimentar, criar e educar seus filhos.

Sei que quando uma presidenta fala para as mães mais pobres, todas as outras mães a escutam com a alma e coração. Por isso sei que cada uma de vocês está atenta ao que eu vou dizer.

Não são apenas palavras de conforto que tenho para as mães mais pobres do nosso país. Quero anunciar hoje o lançamento da ação Brasil Carinhoso, que irá tirar da miséria absoluta todas as famílias brasileiras que têm crianças de 0 a 6 anos de idade.

O Brasil Carinhoso faz parte do grande programa Brasil Sem Miséria que estamos desenvolvendo, com sucesso, em todo território nacional e será a mais importante ação de combate à pobreza absoluta na primeira infância já lançada no nosso país.

O nome da ação diz tudo: Brasil Carinhoso. É um Brasil cuidadoso, um Brasil que cuida bem do seu bem mais precioso, as nossas crianças. Que tem carinhoso e amor por elas.

Todos sabem que a principal bandeira do meu governo é acabar com a miséria absoluta no nosso país. Mas nem todos sabem que historicamente a faixa de idade onde o Brasil tem conseguido menos reduzir a pobreza é infelizmente a de crianças de 0 a 6 anos.

Para um país é uma realidade duplamente amarga. Ter ao mesmo tempo gente ainda vivendo na miséria absoluta e essa pobreza se concentrar com mais força entre as crianças e os jovens.

A concentração da pobreza é igualmente cruel regionalmente. Pois é no Nordeste e no Norte onde ela está mais presente. 78% das crianças brasileiras em situação de pobreza absoluta vivem nessas duas regiões e 60% delas estão no Nordeste. Ou seja, regiões mais pobres, crianças mais desprotegidas e mães e pais entregues historicamente a sua própria sorte.

A vida das crianças pobres tem melhorado muito nos últimos anos no Brasil. O índice de mortalidade infantil caiu 47,5% no país e 58,6% no Nordeste. Porém, muito ainda precisa ser feito e a situação se agrava em períodos de seca, como ocorre neste momento no Nordeste.

Por estas razões, o Brasil Carinhoso, mesmo sendo uma ação nacional, vai olhar com a máxima atenção para as crianças dessas duas regiões mais pobres do país, para o Norte e para o Nordeste.

Como outros programas do Brasil Sem Miséria, ele será uma parceria dos governos federal, estaduais e municipais e terá três eixos principais.

O primeiro, e muito importante, vai garantir uma renda mínima de R$ 70 a cada membro das famílias extremamente pobres, que tenham, pelo menos, uma criança de 0 a 6 anos. É uma ampliação e um reforço muito importante ao Bolsa Família. Isso, aliás, tem sido uma prática bem sucedida do Brasil Sem Miséria.

O segundo eixo do Brasil Carinhoso será aumentar o acesso das crianças muito pobres à creche. E o terceiro, ampliar a cobertura dos programas de saúde para elas. Neste caso, além do reforço dos atuais programas de saúde, vamos lançar um amplo programa para combater a anemia e deficiência de vitamina A. E introduzir remédio gratuito contra asma nas unidades do Farmácia Popular.

Quero enfatizar a importância de se ampliar efetivamente o acesso das crianças pobres às creches. E creche significa mais que um teto ocasional para essas crianças. Creche significa saúde, educação, comida, conforto, lazer e higiene. Significa atacar pela raiz a desigualdade.

Para ampliar essa cobertura, vamos construir novas creches e especialmente ampliar e estimular convênios com entidades públicas e privadas.

Com o Brasil Carinhoso, estamos reforçando fortemente as ações do Brasil Sem Miséria que beneficiam as mulheres e as crianças. As crianças, aliás, têm sido a prioridade desde o início do programa como mostram, por exemplo, os subprogramas Bolsa Gestante e Bolsa Nutriz.

Fico muito feliz de poder anunciar o Brasil Carinhoso no Dia das Mães. É uma forma de reafirmar de maneira ainda mais contundente que nosso governo tem o maior conjunto de programas de apoio à mulher e à criança da nossa história. Ou seja, é o Brasil cuidando cada vez mais de quem dá a vida e de quem faz o futuro.

É um Brasil moderno e amoroso, cuidando de suas mães e dos nossos queridos brasileirinhos e brasileirinhas.

Um Feliz Dia das Mães e uma vida mais feliz para todas as mães brasileiras é o que desejo de todo coração. Obrigada e boa noite.

Íntegra do pronunciamento da presidente Dilma Rousseff.