O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem que teve mais
medo de perder a voz do que de morrer após a descoberta do câncer na
laringe. "Se eu perdesse a voz, estaria morto."
Um dia depois da notícia de que o tumor desapareceu, ele recebeu a Folha para uma entrevista exclusiva num quarto do hospital Sírio Libanês, em São Paulo, onde faz sessões de fonoaudiologia.
Lula comparou a uma "bomba de Hiroshima" o tratamento que fez, com sessões de químio e radioterapia.
Ele emocionou-se ao lembrar da luta do vice-presidente José Alencar
(1931-2011), que morreu de câncer há exatamente um ano. "Hoje é que eu
tenho noção do que o Zé Alencar passou."
Quase 16 quilos mais magro e com a voz um pouco mais rouca que o normal,
o ex-presidente ainda sente dor na garganta e diz que sonha com o dia
em que poderá comer pão "com a casca dura".
A entrevista foi acompanhada por Roberto Kalil, seu médico pessoal e
"guru", pelo fotógrafo Ricardo Stuckert e pelo presidente do Instituto
Lula, Paulo Okamotto.
Folha - Como o sr. está?
Luiz Inácio Lula da Silva - O câncer está resolvido porque não
existe mais aqui [aponta para a garganta]. Mas eu tenho que fazer
tratamento por um tempo ainda. Tenho que manter a disciplina para evitar
que aconteça alguma coisa. Aprendi que tanto quanto os médicos, tanto
quanto as injeções, tanto quanto a quimioterapia, tanto quanto a
radioterapia, a disciplina no tratamento, cumprir as normas que tem que
cumprir, fazer as coisas corretamente, são condições básicas para a
gente poder curar o câncer.
Foi difícil abrir mão...
Hoje é que eu tenho noção do que o Zé Alencar passou. [Fica com a voz
embargada e os olhos marejados]. Eu, que convivi com ele tanto tempo,
não tinha noção do que ele passou. A gente não sabe o que é pior, se a
quimioterapia ou a radioterapia. Uns dizem que é a químio, outros que é a
rádio. Para mim, os dois são um desastre. Um é uma bomba de Hiroshima
e, o outro, eu nem sei que bomba é. Os dois são arrasadores.
O sr. teve medo?
A palavra correta não é medo. É um processo difícil de evitar, não tem
uma única causa. As pessoas falam que é o cigarro [que causa a doença],
falam que é um monte de coisa que dá, mas tá cheio de criancinha que
nasce com câncer e não fuma.
Qual é a palavra correta?
A palavra correta... É uma doença que eu acho que é a mais delicada de
todas. É avassaladora. Eu vim aqui com um tumor de 3 cm e de repente
estava recebendo uma Hiroshima dentro de mim. [Em alguns momentos] Eu
preferiria entrar em coma.
Kalil [interrompendo] - Pelo amor de Deus, presidente!
Em coma?
Eu falei para o Kalil: eu preferiria me trancar num freezer como um
carpaccio. Sabe como se faz carpaccio? Você pega o contrafilé, tira a
gordura, enrola a carne, amarra o barbante e coloca o contrafilé no
freezer e, quando ele está congelado, você corta e faz o carpaccio. A
minha vontade era me trancar no freezer e ficar congelado até...
Sentia dor?
Náusea, náusea. A boca não suporta nada, nada, nada, nada. A gente
ouvindo as pessoas [que passam por um tratamento contra o câncer]
falarem não tem dimensão do que estão sentindo.
Teve medo de morrer?
Eu tinha mais preocupação de perder a voz do que de morrer. Se eu
perdesse a voz, estaria morto. Tem gente que fala que não tem medo de
morrer, mas eu tenho. Se eu souber que a morte está na China, eu vou
para a Bolívia.
O sr. acredita que existe alguma coisa depois da morte?
Eu acredito. Eu acredito que entre a vida que a gente conhece [e a
morte] há muita coisa que ainda não compreendemos. Sou um homem que
acredita que existam outras coisas que determinam a passagem nossa pela
Terra. Sou um homem que acredita, que tem muita fé.
Mesmo assim, teve um medo grande?
Medo, medo, eu vivo com medo. Eu sou um medroso. Não venha me dizer:
'Não tenha medo da morte'. Porque eu me quero vivo. Uma vez ouvi meu
amigo [o escritor] Ariano Suassuna dizer que ele chama a morte de
Caetana e que, quando vê a Caetana, ele corre dela. Eu não quero ver a
Caetana nem...
Qual foi o pior momento neste processo?
Foi quando eu soube. Vim trazer a minha mulher para um exame e a Marisa e
o Kalil armaram uma arapuca e me colocaram no tal de PET [aparelho que
rastreia tumores]. Eu tinha passado pelo otorrino, o otorrino tinha
visto a minha garganta inflamada.
Eu já estava há 40 dias com a garganta inflamada e cada pessoa que eu
encontrava me dava uma pastilha No Brasil, as pessoas têm o hábito de
dar pastilha para a gente. Não tinha uma pessoa que eu encontrasse que
não me desse uma pastilha: 'Essa aqui é boa, maravilhosa, essa é
melhor'. Eu já tava cansado de chupar pastilha.
No dia do meu aniversário, eu disse: 'Kalil, vou levar a Marisa para
fazer uns exames'. E viemos para cá. O rapaz fez o exame, fez a
endoscopia, disse que estava muito inflamada a minha garganta. Aí
inventaram essa história de eu fazer o PET. Eu não queria fazer, eu não
tinha nada, pô. Aí eu fui fazer depois de xingar muito o Kalil.
Depois, fui para uma sala onde estava o Kalil e mais uns dez médicos. Eu
senti um clima meio estranho. O Kalil estava com uma cara meio de
chorar. Aí eu falei: 'Sabe de uma coisa? Vocês já foram na casa de
alguém para comunicar a morte? Eu já fui. Então falem o que aconteceu,
digam!' Aí me contaram que eu tinha um tumor. E eu disse: 'Então vamos
tratar'.
Existia a possibilidade de operar o tumor, em vez de fazer o tratamento que o senhor fez.
Na realidade, isso nem foi discutido. Eles chegaram à conclusão de que
tinha que fazer o que tinha que fazer para destruir o bicho
[quimioterapia seguida de radioterapia], que era o mais certo. Eu disse:
'Vamos fazer'.
O meu papel, então, a partir dessa decisão, era cumprir, era obedecer,
me submeter a todos os caprichos que a medicina exigia. Porque eu sabia
que era assim. Não pode vacilar. Você não pode [dizer]: 'Hoje eu não
quero, não tô com vontade'.
O senhor rezava, buscou ajuda espiritual?
Eu rezo muito, eu rezo muito, independentemente de estar doente.
Fez alguma promessa?
Não.
Existia também uma informação de que o senhor procurou ajuda do médium João de Deus.
Eu não procurei porque não conhecia as pessoas, mas várias pessoas me
procuraram e eu sou muito agradecido. Várias pessoas vieram aqui, ainda
hoje há várias pessoas me procurando. E todas as que me procurarem eu
vou atender, conversar, porque eu acho que isso ajuda.
E como será a vida do sr. a partir de agora? Vai seguir com suas palestras?
Eu não quero tomar nenhuma decisão maluca. Eu ainda estou com a garganta
muito dolorida, não posso dizer que estou normal porque, para comer,
ainda dói.
Mas acho que entramos na fase em que, daqui a alguns dias, eu vou
acordar e vou poder comer pão, sem fazer sopinha. Vou poder comer pão
com aquela casca dura. Vai ser o dia!
Eu vou tomando as decisões com o tempo. Uma coisa eu tenho a certeza: eu
não farei a agenda que já fiz. Nunca mais eu irei fazer a agenda
alucinante e maluca que eu fiz nesses dez meses desde que eu deixei o
governo. O que eu trabalhei entre março e outubro de 2011... Nós
visitamos 30 e poucos países.
Eu não tenho mais vontade para isso, eu não vou fazer isso. Vou fazer
menos coisas, com mais qualidade, participar das eleições de forma mais
seletiva, ajudar a minha companheira Dilma [Rousseff] de forma mais
seletiva, naquilo que ela entender que eu possa ajudar. Vou voltar mais
tranquilo. O mundo não acaba na semana que vem.
Quando é que o senhor começa a participar da campanha de Fernando Haddad à Prefeitura de São Paulo?
Eu acho o Fernando Haddad o melhor candidato. São Paulo não pode
continuar na mesmice de tantas e tantas décadas. Eu acho que ele vai
surpreender muita gente. E desse negócio de surpreender muita gente eu
sei. Muita gente dizia que a Dilma era um poste, que eu estava louco,
que eu não entendia de política. Com o Fernando Haddad será a mesma
coisa.
O senhor vai pedir à senadora Marta Suplicy para entrar na campanha dele também?
Eu acho que a Marta é uma militante política, ela está na campanha.
Tem falado com ela?
Falei com ela faz uns 15 dias. Ela me ligou para saber da saúde. Eu disse que, quando eu sarar, a gente vai conversar um monte.
E em 2014? O senhor volta a disputar a Presidência?
Para mim não tem 2014, 2018, 2022. Deixa eu contar uma coisa para vocês:
eu acabei de deixar a Presidência da República, tem apenas um ano e
quatro meses que eu deixei a Presidência.
Poucos brasileiros tiveram a sorte de passar pela Presidência da forma
exitosa com que eu passei. E repetir o que eu fiz não será tarefa fácil.
Eu sempre terei como adversário eu mesmo. Para que é que eu vou
procurar sarna para me coçar se eu posso ajudar outras pessoas, posso
trabalhar para outras pessoas?
E depois é o seguinte: você precisa esperar o tempo passar. Essas coisas
você não decide agora. Um belo dia você não quer uma coisa, de repente
se apresenta uma chance, você participa.
Mas a minha vontade agora é ajudar a minha companheira a ser a melhor
presidenta, a trabalhar a reeleição dela. Eu digo sempre o seguinte: a
Dilma só não será candidata à reeleição se ela não quiser. É direito
dela, constitucional, de ser candidata a presidente da República. E eu
terei imenso prazer de ser cabo eleitoral.
Um blog que traz informações e analisa criticamente as notícias de interesse dos xiquexiquenses. Ideal para você que não se satisfaz com o mero relato dos fatos e exige um aprofundamento sobre o que lê. Comprometido com o dever de fundamentar as conclusões a que chega, aceita como inevitável a parcialidade que deixa transparecer. Por isso está sempre aberto a críticas. Seja bem vindo. Boa leitura!
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sexta-feira, 30 de março de 2012
segunda-feira, 1 de agosto de 2011
Desejo dos homens ou das leis?
É muito triste, depois das férias de julho, iniciarmos o 2º semestre já trazendo assunto tão aborrecedor para o xiquexiquense, como o é o desrespeito às Leis do nosso país, especialmente por aqueles que assumiram na sua posse o compromisso de zelar por elas. Mas, apesar de desejarmos apenas dar um bom 2º semestre a todos, infelizmente, a filosofia dO Xiquexiquense é mais forte que os nossos desejos e impõe isso, para que o blog se mantenha íntegro com os seus objetivos e com os seus leitores, assim como deveria agir os homens.
"Durante grande parte da história da humanidade, governante e lei foram sinônimos - a lei era simplesmente a vontade do governante. Um primeiro passo para se afastar dessa tirania foi o conceito de governar segunda a lei, incluindo a ideia de que até o governante está abaixo da lei e deve governar através dos meios legais. As democracia foram mais longe criando o Estado de Direito. Embora nenhuma sociedade ou sistema de governo esteja livre de problemas, o Estado de Direito protege os direitos fundamentais, políticos, sociais e econômicos e nos lembra que a tirania e a ilegalidade não são as únicas alternativas"
Então, como em 1988 conseguimos afastar no Brasil os governos tiranos, construindo uma moderna República, baseada no Estado Democrático de Direito, O Xiquexiquense sinceramente esperava que também em Xique-xique o desejo dos governantes estivesse abaixo do desejo da Lei. Ledo engano, como bem confirmou o prefeito municipal de então, em sua mais recente entrevista, ao deixar escapar a seguinte pérola.
Disse ele, quando interrogado sobre o descumprimento da sua promessa de iniciar a reforma do Mercado de Frutas após as chuvas: "na verdade está tudo pronto para a obra ser iniciada, só que nosso desejo era fazer essa reforma com a mesma empresa de Zico, que está na Praça Getúlio Vargas e a paralisação das obras da praça acabaram atrapalhando um pouco a saúde financeira da empresa. Mas, pode confiar, vamos reformar o Mercado".
Acontece que a Lei que trata das contratações da Administração pública, inclusive as municipais, não deseja fazer essa obra com a "empresa de Zico" ou de outro empresário, porque ela deseja que todas as empresas dos xiquexiquense tenham a mesma oportunidade de trabalhar para a PMXX (Prefeitura Municipal de Xique-xique) através da licitação, pela qual se escolherá a empresa que apresentar proposta mais vantajosa para o dinheiro dos impostos do eleitor-contribuinte xiquexiquense.
Diz ela, no art. 3º: "A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos".
Portanto, com suas recentes declarações, o prefeito de agora dá sinais de que privilegia empresas com o uso do dinheiro do povo, revelando o desamor para com o suor dos xiquexiquenses e descumprindo o seu compromisso de respeitar as Leis do nosso país.
É que, ao se preocupar mais com a saúde financeira de algumas empresas, em detrimento da saúde financeira da própria PMXX, que está altamente endividada com a folha de pagamentos dos funcionários, como já denunciado por O Xiquexiquense, a sua excelência, o prefeito, demonstra ser pouco afeto aos princípios republicanos da impessoalidade, da moralidade, da igualdade e principalmente da probidade administrativa, o que, infelizmente, coloca em risco a manutenção do seu mandato, se por um acaso o MP-BA (Ministério Público da Bahia) e o Judiciário atuassem para prevalecer o desejo da Lei também em nossa amada Xique-xique.
quarta-feira, 22 de junho de 2011
Entrevista: Bill Clinton.
Segue abaixo a entrevista concedida pelo ex-presidente dos Estados Unidos da América à revista Veja dessa semana. Hoje, o ex-presidente percorre o mundo para difundir a ideia da sustentabilidade dos recursos naturais. Vejamos.
Bill Clinton
A energia limpa dá lucro
O ex-presidente americano que se reinventou como personalidade global acredita que o casamento da racionalidade econômica com a sustentabilidade via salvar o planeta.
Mais forte candidato ao posto de melhor ex-presidente vivo dos Estados Unidos, Bill Clínton, de 64 anos, descobriu-se, em muitos aspectos, mais realizado agora do que quando ocupou a Casa Branca, de 1993 a 2001. Em uma reflexão amarga ainda no cargo, Clinton disse que ser presidente dos Estados Unidos era, muitas vezes, tão frustrante quanto dar ordens em um cemitério, "pois ninguém abaixo parecia escutar" o que ele estava dizendo. Ele hoje viaja o mundo supervisionando as iniciativas da Clínton Foundation, que vão da prevenção da malária, da aids e da obesidade infantil à melhoria das condições ambientais das quarenta mais populosas metrópoles do planeta, com foco em energia limpa e na transformação dos lixões urbanos em avançados centros de reaproveitamento de energia. Clínton deu entrevista a VEJA há poucos dias, na suíte presidencial do hotel Sheraton, em São Paulo.
Seis anos depois de lançar-se nessa atividade, o senhor coleciona mais triunfos ou frustrações?
Nós, comprovadamente, melhoramos a vida de mais de 200 milhões de pessoas necessitadas no planeta. A cada ano, juntam-se a nós milhares de pessoas dispostas a nos ajudar a ajudar a quem precisa. Essas pessoas se comprometeram no total com 63 bilhões de dólares que financiam nossas inúmeras atividades.
Elas são pródigas com o senhor por acreditarem que o dinheiro será bem gasto?
Primeiro, porque elas têm a perfeita consciência de que não estão doando dinheiro para ganhar o direito de se sentar com alguns figurões e, assim, sentir-se importantes. Elas sabem que o dinheiro delas será usado para fazer coisas que efetivamente mudarão para melhor a vida dos indivíduos e a saúde global do planeta. Conosco, há pouco discurso e muita ação. Nós fazemos. Se der errado, tentamos novamente.
Qual é o seu papel na operação?
Contribuí com a ideia inicial em 2005 e, desde então, venho ajudando a definir as regras e montar a rede mundial de colaboradores. É assim que funcionamos. Dizemos: as regras são essas, agora façam vocês alguma coisa com impacto direto na vida de quem precisa de ajuda no mundo.
Quando o senhor lançou a Clinton Initiative, em 2005, já não existiam organizações não governamentais (ONGs) demais?
Esse foi um dos fatores que mais me animaram. Existiam então cerca de 500000 ONGs no mundo. Havia muita geme fazendo trabalhos sem uma coordenação, muitas vezes sem foco e algumas com pouca transparência. Minha ideia foi juntar filantropos, governos, empresas, líderes políticos mundiais de quem fiquei amigo no governo, caso do seu ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e montar uma estrutura com menos palavrório, mais ação e comprometimento. O segundo fator foi o fato de que nos Estados Unidos e em outras partes do mundo havia um número enorme de gente muito rica disposta a doar dinheiro para as boas causas, mas que temia estar desperdiçando sua fortuna. Então decidi que, se montasse uma organização mundial transparente e eficiente, essas pessoas se sentiriam mais seguras e ajudariam mais. É o que tem ocorrido.
De modo geral, as ONGs gastam melhor o dinheiro do que os governos?
Os governos podem ser tão eficientes quanto as ONGs, mas é preciso que se movam dentro de bitolas éticas muito rígidas.
O que é mais eficiente quando se trata de ajudar necessitados a se levantar e caminhar com as próprias pernas?
Temos boas experiências a relatar com a concessão de microcrédito. Muita coisa foi aprendida desde a experiência pioneira de Muhammad Yunus e do Grameen Bank em Bangladesh. Eu conheci o Yunus em 1983. Hillary (mulher de Bill e secretária de Estado dos EUA) e eu éramos amigos do fundador de um banco comunitário em Chicago, o Shore Bank, e ele nos apresentou o Yunus. Ficamos curiosos por saber se ele achava que a experiência do microcrédito teria impacto em países ricos. A resposta foi positiva. O próprio Shore Bank já havia conseguido fazer coisas extraordinárias ao financiar carpinteiros negros pobres e eletricistas que haviam acabado de emigrar da Croácia, alocando-os nos trabalhos de reconstrução de edifícios na degradada região sul de Chicago. Hoje tem agência do Grameen BanI até em Nova York.
Qual foi a grande evolução do banco comunitário?
Foi a constatação de que, se o microcrédito sozinho já faz um bem enorme ao ajudar as pessoas a entrar no sistema de economia de mercado e ganhar a vida nele, seus efeitos podem ser ainda mais impactantes quando estendidos aos pequenos empreendedores. Temos visto isso no Haiti. Os bancos no Haiti ganham muito dinheiro cobrando taxas elevadas para converter remessas feitas do exterior em dólares e euros para gurdes, a moeda local. Como se sabe, 25% do PIB do Haiti é formado por remessas de dinheiro para os haitianos feitas por parentes, principalmente dos Estados Unidos, Canadá e Europa. O que ocorre quando um haitiano pobre e de espírito empreendedor recorre a um banco local em busca de, digamos, 100000 dólares para abrir um pequeno negócio? O banco quer cobrar dele taxas anuais de juros de 50% sobre o empréstimo. É absolutamente ridículo. Então, a coisa certa a fazer é oferecer crédito a taxas razoáveis para empreendedores, de modo que eles possam se estabelecer, ganhar dinheiro e pagar o empréstimo. É o que estamos fazendo no Haiti.
São operações a fundo perdido?
Não. São operações bancárias que dão lucro. No nosso caso, recebemos 20 milhões de dólares do milionário mexicano Carlos Slim e do não menos rico Frank Giustra, do Canadá, para emprestar a pequenos empreendedores do Haiti. Eles vão ter lucro nessas operações, mas já se comprometeram a reinvestir nos mesmos moldes. O que estamos fazendo no Haiti é um modelo de grande futuro, em que ONGs, empresários e o governo trabalham juntos para identificar as carências e agir coordenadamente para resolver os problemas com maior eficiência.
Mas lucro rima com ONG?
Sim. Queremos que esses investidores tenham lucro. Não existe incompatibilidade. Sem lucro, as operações de microcrédito tendem a não ser sustentáveis. É preciso, porém, que a busca do lucro seja alinhada a objetivos sociais. Aprendi que as ações mais eficientes de ajuda são justamente aquelas construídas sobre bases econômicas sadias e com remuneração adequada para todos os envolvidos. Parte vital do nosso trabalho é tornar isso evidente para as empresas.
Como funciona essa equação?
Um caso clássico em que amamos foi no barateamento do preço dos remédios contra a aids. Nós procuramos os laboratórios fabricantes dos remédios e mostramos a eles que nas vendas aos países emergentes e pobres era um erro insistir em obter grandes margens de lucro com baixos volumes e ainda correr o risco de não receber nada de governos instáveis e pouco confiáveis. Por que não inverter o processo, vendendo diretamente a nós grandes quantidades, com pagamento à vista, mas recebendo margens de lucro bem menores? Para os laboratórios, fornecer remédios assim se tornou um bom negócio, um negócio diferente, porém, em que o interesse privado se alinha com o interesse social.
A multiplicação das 0NGs significa que o governo, como o conhecemos, fracassou?
No Haiti com certeza. O país tem 10 milhões de habitantes e 10000 ONGs. Mas, mesmo com a melhoria do governo e o fortalecimento da economia, fenômenos que estão ocorrendo agora, o Haiti ainda vai precisar das ONGs. O Bolsa Escola, programa criado pelo presidente Cardoso e ampliado por seu sucessor, o presidente Lula, é um exemplo de ação governamental bem-sucedida que não precisou das ONGs para funcionar. Mas, quando o Brasil decidiu, de maneira inédita no mundo, fazer exames e levar remédios contra a aids aos recantos mais isolados da floresta tropical amazônica, a rede capilar de ONGs, em especial as ligadas à Igreja Católica, foi de extrema importância para o sucesso da operação. Quando começamos nosso trabalho com a aids, havia fora dos Estados Unidos, Japão e Europa apenas 200000 pessoas que recebiam tratamento adequado para a doença. Dois terços delas, 135000, estavam no Brasil.
Quando o senhor pensa nos resultados positivos que vem obtendo, não tem a sensação de que muito mais poderia ser feito?
É realmente complicado. É extremamente recompensador segurar um bebê nos braços e saber que ele vai viver graças a alguma coisa que você fez. Mas é inacreditavelmente frustrante ter a consciência de que, para cada pessoa que você ajudou a sobreviver, duas ou três na mesma situação vão morrer. Então o impulso maior é tentar a cada dia fazer mais e atingir positivamente mais pessoas. É frustrante também saber que certas políticas e atitudes funcionam, mas não ter mais o poder de mudar o sistema diretamente e pô-las em prática.
Saudade da Casa Branca?
Amo o que eu venho fazendo desde que deixei o governo. Sinto que estou pronto para fazer muito ainda, mas não deixa de ser frustrante tomar consciência de que, se tivesse poder político, teria como evitar que meu país continuasse com políticas energéticas equivocadas que, se mudadas, poderiam criar milhões e milhões de postos de trabalho. Mas, sem poder político, tudo o que posso fazer agora é tentar convencer e demonstrar com meus projetos que estou certo.
Não é catastrofismo a ideia de que estamos destruindo o planeta ...
Se estivéssemos mesmo, será que já não teríamos um Bretton Woods ou um Plano Marshall ambiental global? Há uma diferença enorme entre termos falhado em conseguir um acordo global na cúpula de Copenhague em 2009 e os fracassos dos países individualmente em atingir as metas de corte nas emissões de carbono com as quais se comprometeram no Protocolo de Kyoto. São duas coisas diferentes, que, se confundidas, produzem uma visão equivocada da questão. Apenas quatro dos 24 países ricos signatários do Protocolo de Kyoto estão dando mostras de que vão atingir as metas. Os demais falharam - e não por discordarem das premissas envolvidas naquela decisão, mas por não terem encontrado a solução econômica para fazer o que acreditavam ser o correto. Já Copenhague fracassou, basicamente, porque a China e a Índia não quiseram se comprometer com metas que pudessem ameaçar o ritmo de crescimento acelerado de suas economias. Os avanços estão abaixo da superfície. Tomemos o caso da China. Mais até do que muitos americanos, os chineses sabem que suas escolhas energéticas atuais são insustentáveis. A China está trabalhando arduamente para mudar sua matriz energética, apostando tudo na energia solar, não apenas como uma forma de ajudar a salvar o planeta, mas para que suas empresas lucrem formidavelmente. A China tomou-se o maior produtor mundial de células fotovoltaicas.
De fora, qual é a imagem ambiental do Brasil?
Vocês são vistos de duas maneiras. A boa mostra um país ambientalmente exemplar, que diminuiu o ritmo do desmatamento, tem 90% da frota de automóveis que pode ser movida a combustível biológico e quase toda a sua eletricidade gerada de maneira limpa por turbinas movidas à queda-d"água. A ruim revela um Brasil que usa pessimamente seu potencial de geração de energia solar, que, se aproveitado na sua plenitude, evitaria todas as pressões sobre a Amazônia que hoje preocupam o mundo, como o avanço das plantações sobre a mata nativa e as controversas novas hidrelétricas em terras indígenas.
O mundo tem o direito de cobrar bom comportamento ambiental do Brasil?
Eu não tenho o direito de pedir ao Brasil que diminua seu ritmo de crescimento enquanto houver um único brasileiro na miséria que possa ser guindado à classe média pelo progresso econômico. Mas o Brasil atingiu uma nova posição relativa no mundo à qual o país precisa corresponder, assumindo também as responsabilidades decorrentes do novo status quo. Entre essas responsabilidades, está a de fazer as escolhas energéticas mais compatíveis com a sustentabilidade planetária.
sexta-feira, 27 de maio de 2011
Números contradizem prefeito.
O atual gestor da prefeitura do nosso município afirmou em recente entrevista que a PMXX (Prefeitura municipal de Xique-xique) convivia com dificuldades financeiras por causa da baixa arrecadação do FPM (Fundo de Participação dos Municípios). O Xiquexiquense, então, sendo um blog investigativo, foi atrás das informações oficiais para ver se o prefeito estava mesmo com a razão. E descobriu que, se a PMXX está mesmo em dificuldades financeiras, como foi afirmado, isso não é por culpa do FPM, que aumentou 92% entre o 1º quadrimestre de 2005 e o mesmo período de 2011.
De fato, conforme dados da STN (Secretaria do tesouro nacional), o FPM, que somou R$ 2.742.694,92 nos primeiros quatro meses de 2005, em 2011 já totalizou R$ 5.261.270,92. Ou seja, nunca na história desse país a PMXX recebeu tanto dinheiro do fundo. Mas as transferências obrigatórias da União para a PMXX não se resumem ao FPM e se compararmos o total transferido o aumento das verbas é muito maior. Chega a elevados 182%. Só nesses 4 meses de 2011 a PMXX recebeu R$ 14.673.152,08 exclusivamente do governo federal .
Com as transferências estaduais, aqui somadas aos valores dos convênios firmados entre a PMXX e os outros órgãos do país, o fenômeno se repete. Aumentaram 153% entre o 1º quadrimestre de 2009 e o mesmo período de 2011. Dessa maneira, somando todo o dinheiro que vem de fora, o aumento ficou em 69%, entre 2009 e 2011. Nesse mesmo período a inflação medida pelo IGP-M foi de 13,6%.
Contudo, a PMXX por conta própria não conseguiu arrecadar no mesmo ritmo. Realmente, a variação foi de apenas 37%, se comparado o 1º quadrimestre de 2009 com o de 2011. Por conta disso, a dependência econômica da PMXX com relação ao dinheiro vindo de fora, que já chegou a ser de 87% nos primeiros 4 meses do ano passado, aumentou para 94%.
Os gráficos com os números oficiais da PMXX dos anos de 2009, 2010, 2011 seguem abaixo (as informações dos demais anos não foram encontradas no site do Diário oficial da PMXX).
Isso mesmo, caro leitor, 94% de todo o dinheiro que entra nos cofres da PMXX para despesas de manutenção da máquina administrativa vem do governo federal ou do governo estadual. É um número assustador e que revela a nossa grande dependência econômica.
O pior, porém, é que a arrecadação municipal caiu quando comprado o 1º quadrimestre de 2010 com o mesmo período de 2011. Até abril do ano passado, a PMXX tinha arrecadado R$ 2.135.993,39, mas nesse ano só arrecadou um pouco mais da metade disso, R$ 1.167.540,70. E isso é um grande problema, porque a economia nacional em 2010 está melhor do que a do ano passado. Tanto é verdade, que o aumento do FPM, vinculado à arrecadação de tributos federais, foi de mais de 30% no mesmo período.
Por tudo isso, é forçoso reconhecer que o atual gestor da PMXX não está com a razão quando diz que a prefeitura está com dificuldades por culpa do FPM. Como se vê, na verdade o problema encontra-se na arrecadação municipal, que tem como principal responsável o setor de tributação. Dessa forma, é necessário que o administrador atual faça um controle maior sobre seus subordinados para saber o motivo de a arrecadação da PMXX não acompanhar o crescimento da economia e o que fazer para isso venha acontecer em nossa cidade. Afinal, para a boa saúde das contas públicas é muito arriscada uma dependência tão alta (94%) do dinheiro dos outros governos.
segunda-feira, 23 de maio de 2011
Entrevista: Marina Silva.
Segue abaixo entrevista da ex-ministra do Meio ambiente Marina Silva, dada à revista Época dessa semana e que trata da aprovação do novo Código florestal, que possivelmente será votado amanhã, a contragosto do governo federal, que parece ter perdido a batalha na Câmara dos deputados. O Xiquexiquense entende que essa votação é uma prova de que o governo Dilma, sendo de esquerda, não detém todo o poder político do país. Por isso, a direita ainda é capaz de impor suas propostas quando encontram apoio do centro. Mas, a presidente ainda detém um instrumento poderoso, que é o veto, apesar de ele também poder ser derrubado no parlamento. Vamos, enfim, à entrevista.
Marina Silva
“Estão querendo usar o Palocci”
A ex-senadora diz que a oposição desistiu de investigar o ministro em troca da aprovação do Código Florestal
As férias de 13 dias em Israel foram canceladas. Em vez de visitar os templos de Jerusalém, como planejara, Marina Silva voltou a frequentar os corredores do Congresso Nacional, onde atuou como senadora por 16 anos. Seis meses depois de receber quase 20 milhões de votos para a Presidência, Marina tivera até agora atuação política apagada. Dedicara-se a fazer palestras, de onde tira seu sustento. Agora, ressurge como crítica de seu próprio partido e uma das mais aguerridas combatentes na discussão do Código Florestal, cuja votação está prevista para esta semana.
ENTREVISTA - MARINA SILVA
QUEM É: Militante histórica da causa do meio ambiente, tem 53 anos, é acriana, casada, mãe de quatro filhos
O QUE FEZ: Foi senadora por 16 anos pelo PT, ministra do Meio Ambiente no governo Lula e candidata à Presidência pelo PV em 2010. Recebeu quase 20 milhões de votos
ÉPOCA - A senhora sugere que há relação entre a decisão de votar o Código Florestal na terça-feira 24 e a desistência da oposição em convocar Palocci para explicar seu patrimônio no Congresso. É isso?
Marina Silva – Não sei o que determinou essa votação extemporânea sem considerar as propostas da sociedade. Há três coisas colocadas no Congresso em que há tensão entre oposição e governo. Uma é a Medida Provisória da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos, que dispensa licitação; a outra é o incentivo para a energia nuclear; e a terceira é a questão do Palocci. Mas não dá para trocar as florestas brasileiras por dispensa de licitação, ou por incentivo à energia nuclear, ou por não esclarecimentos. A oposição está usando algo que em nenhuma hipótese deve ser aceito.
ÉPOCA - Seu marido foi acusado pelo deputado Aldo Rebelo, relator do Código, de envolvimento com contrabando de madeira do Acre. Como a senhora viu isso?
Marina – Primeiro, com perplexidade. Em seguida, com indignação. Não sei as razões que o levaram a fazer aquelas acusações levianas. Mas pedi que o Ministério Público me investigue. Cada uma das acusações já está devidamente esclarecida em meu site, com documentos, mostrando que meu marido não tem nenhuma relação com as acusações. E o deputado Aldo sabia. Quando era líder do governo, todas as informações foram passadas para ele. Ele foi leviano para tentar me constranger na discussão do Código Florestal, uma tentativa de me intimidar, de dar uma satisfação aos ruralistas, já que, pela terceira vez, tínhamos conseguido, com o governo e a liderança do PT, adiar a votação. Como ele não poderia ir para cima do (deputado Cândido) Vaccarezza, ou do (deputado) Paulo Teixeira, ou da presidente Dilma, foi para cima de mim. Ele tinha de escolher alguém para os que queriam algum tipo de sangue. Quiseram fazer comigo o que estão tentando fazer com o ministro Palocci.
ÉPOCA - O que tentam fazer com Palocci?
Marina – Essas intimidações.
ÉPOCA - Ele é vítima de intimidação?
Marina – O processo em relação ao patrimônio dele é outra coisa. Mas estão querendo usar o ministro Palocci. Nada justifica querer pressionar o governo usando esse artifício. Estranhamente, esse assunto entrou na pauta e, em seguida, foi feito um acordo para votar o Código com a garantia da liberação vergonhosa de atividades econômicas dentro da floresta.
ÉPOCA - Aldo Rebelo disse que a senhora pediu ajuda a ele na época das investigações contra seu marido. É verdade?
Marina – Não. Aldo tinha função importante no governo, e eu era ministra do Meio Ambiente. A assessoria parlamentar (do ministério) levou todas as informações necessárias para esclarecê-lo. Depois, falei com ele por telefone. Nunca me esqueço da forma como me despedi: “Você está com as informações, forme seu juízo de valor”. Só pedi para que ele, de posse das informações que tinha, evitasse uma injustiça. Até agora, imaginava que ele tivesse sido convencido. É por isso que fiquei perplexa quando o ouvi fazendo aquelas acusações no Congresso.
ÉPOCA - Há algumas semanas, o presidente de seu partido, José Luiz Penna, a criticou publicamente porque a senhora não havia se posicionado nas discussões do Código Florestal. Seu engajamento no assunto agora é uma resposta?
Marina – É engraçado. Você aparece na imprensa porque você quer ou quando a imprensa quer que você apareça? Em nenhum momento deixei de trabalhar, de telefonar para o ministro Palocci para falar sobre o Código Florestal, de fazer debates. Não estive ausente. Não vou entrar em discussão com alguém que queira julgar se eu atuei ou não. As pessoas que me conhecem sabem que atuei.
ÉPOCA - O comentário do Penna foi injusto?
Marina – Talvez seja melhor a sociedade avaliar a atuação dele quanto ao Código Florestal – e a minha atuação.
ÉPOCA - É possível levar adiante seu projeto nacional, em um partido que é conduzido por pessoas com quem a senhora tem pouco em comum, como o Penna ou o deputado federal Zequinha Sarney (PV-MA)?
Marina – Na questão ambiental, trabalho ombro a ombro com o deputado Zequinha Sarney. Quanto à visão de política, temos divergências abissais. Não acredito nessa velha política. Os partidos não querem perceber que são o melhor retrato da política que está definhando. Lamentavelmente, os partidos se tornaram máquinas de disputar o poder pelo poder. Essas dificuldades também existem dentro do PV. A estrutura do PV é verticalizada, não se abre para o diálogo com a sociedade. Duas pessoas mantêm essa estrutura no PV: a secretária de organização, Carla Piranda, e o Penna. Toda essa visão ampla de sustentabilidade se choca com essa pequena burocracia, que ignora representatividade, votos, e se fecha em si mesma.
ÉPOCA - A senhora diz que quer modernizar a política. Mas, pelo jeito, isso não tem sido aplicado nem em seu próprio partido. Seu discurso não perde força?
Marina – Durante a campanha, eu falava da nova forma de fazer política de cabeça erguida, porque achava que o processo de democratização do PV estava em curso. A partir de agora, ou acontece algo que expresse isso no PV, ou não terei mais como fazer esse discurso. Não vou falar de algo para a sociedade que não seja capaz de aplicar em meu partido. Isso não seria coerente. Há um prazo de bom-senso para a mudança acontecer. O PV deve essa satisfação para a sociedade brasileira.
ÉPOCA - Na campanha, a senhora tinha um grupo de apoiadores muito próximo, com intelectuais, o vice Guilherme Leal, o coordenador João Paulo Capobianco. A senhora se distanciou deles?
Marina – As pessoas têm de trabalhar, cuidar da vida. Os que ajudaram na campanha do PV não continuarão contribuindo se o partido não se atualizar. O PV recebeu a contribuição de Ricardo Paes de Barros, Eduardo Gianetti, Neca Setubal, Luiz Eduardo Soares, Beto Ricardo, tantas pessoas. Terminada a campanha, essas pessoas não quiseram se filiar. O que elas querem é interagir com o partido. Nos termos em que estamos organizados hoje, elas não têm como participar.
segunda-feira, 16 de maio de 2011
Polícia federal, corrupção e licitações.
Notícia publicada hoje no blog do Zeca repassou a informação de que o novo diretor da PF (Polícia federal) em São Paulo concluiu que "fraudes em licitações quase invariavelmente contam com o envolvimento e o concurso de agentes públicos". Sabendo da importância da matéria para o combate à corrupção, O Xiquexiquense foi atrás da reportagem completa, publicada no jornal Estado de São Paulo. Segue abaixo, portanto, a entrevista dada por Roberto Troncon Filho, que apesar de longa merece ser lida, especialmente por aqueles que desejam ver o dinheiro público investido exclusivamente em benefício dos necessitados.
''Crime organizado se infiltra para fraudar licitações públicas''
Novo chefe da PF em São Paulo diz que esquemas de desvio de verba nos governos ""quase sempre"" envolvem servidores e que coibir caixa 2 na eleição de 2012 será uma prioridade
Entrevista
Roberto Troncon Filho
"Fraudes em licitações quase invariavelmente contam com o envolvimento e o concurso de agentes públicos", revela o delegado Roberto Troncon Filho, novo superintendente regional da Polícia Federal em São Paulo. Segundo ele, servidores cooptados pelas organizações criminosas se infiltram em setores da administração e, dessa forma, colaboram em esquemas de desvio de recursos públicos. "As organizações criminosas, na amplitude do seu espectro, podem atuar para o tráfico em determinado morro do Rio e podem se estabelecer e se organizar, no caso do colarinho branco, para fraudar licitações públicas", aponta Troncon.
O chefe da Polícia Federal no maior Estado do País é o número um da corporação no combate a organizações do crime. Aos 48 anos, com um currículo recheado de especializações em áreas sensíveis - inclusive gerenciamento de crises e antiterrorismo -, Troncon implementou na PF a estratégia nacional de repressão ao crime organizado.
Atualmente, a PF conduz 2 mil inquéritos sobre corrupção, fraudes a licitação e desvios de recursos em prefeituras de todo o País. É elevado o contingente de funcionários públicos detidos pela corporação. Em 2010, a PF deflagrou 272 operações, que culminaram na prisão de 2.734 suspeitos, dos quais 124 eram servidores. Em 2009 foram aprisionados 182 funcionários públicos. Em 2008, outros 383 e, em 2007, 310 caíram nas malhas da PF.
À reportagem do Estado, que foi recebida na espaçosa sala do nono andar do edifício-sede da instituição, na Lapa, Troncon disse que uma de suas prioridades é intensificar as ações contra organizações que põem seus tentáculos no coração da máquina pública, além de investigar e reprimir crimes eleitorais em 2012, ano de disputa na esfera municipal.
Como o crime organizado age na administração pública?
No caso das organizações mais complexas, é possível até que patrocinem o ingresso de agentes no serviço público, bancando seus estudos, bancando aprovação em concursos ou mesmo a cargos eletivos. Não estou falando de nenhum caso específico. Mas uma organização do narcotráfico que porventura tem muito interesse em determinado ponto da fronteira, teoricamente, pode até bancar e financiar a eleição de determinada pessoa para o cargo de prefeito daquela cidade e, assim, ter algum benefício ou facilidade para se instalar naquela região.
Essas organizações podem se infiltrar em outras áreas?
Da mesma forma pode ocorrer no parlamento. Podem financiar determinados políticos, unindo-se a eles. Esses políticos poderão defender seus interesses. Falo apenas teoricamente, não estou falando de caso concreto, mas isso é possível, tanto no Brasil como no resto do mundo. O Estado tem a responsabilidade de ficar atento a esses movimentos.
Qual a estratégia para as eleições de 2012?
Vamos investigar e reprimir crimes eleitorais. O alvo são candidatos a prefeitos e vereadores que fizerem uso de caixa 2 de campanha. Em parceria com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), vamos montar um modelo de combate a ilícitos no âmbito eleitoral. Vamos aprimorar o trabalho realizado no pleito de 2010. Antes da eleição, junto com o TSE, demos início a uma estratégia que resultou em apreensões, prisões e inquéritos para coibir o financiamento ilegal. Vamos fortalecer essa parceria com o TSE.
Não vai mais haver troca de voto por boi ou por galinha?
Seja o que for, se for crime eleitoral, a PF vai agir. Todas as superintendências regionais da PF têm orientação para estarem atentas nas próximas eleições municipais, sob orientação do TSE. Essa é uma metodologia que veio para ficar.
Há 2 mil inquéritos sobre corrupção em prefeituras.
Há muitas fragilidades nos mecanismos de prevenção ao desvio de verbas públicas. Mas o Brasil tem avançado. O controle era muito vulnerável. Criamos a Controladoria Geral da União, que tem foco específico de verificar a aplicação de recursos e a gestão da coisa pública. O Tribunal de Contas da União aperfeiçoou consideravelmente sua atuação. A PF aprimorou suas ações. Identificamos uma série de ilícitos decorrentes da malversação de verbas públicas.
Por que corrupto não fica preso?
Estamos avançando no combate à corrupção. O enfrentamento à corrupção, em todos os níveis de governo, é uma ação positiva. A falta de condenações, porém, está relacionada também com o sistema processual, os inúmeros recursos, essa dinâmica. Estar na cadeia, sentenciado, cumprindo pena, não é papel da polícia. Não temos compromisso nenhum em condenar ninguém. A investigação criminal se assemelha a uma investigação científica. A condenação depende da boa investigação, da qualidade das provas e da celeridade da atuação da Justiça.
O Brasil está atrás no combate ao crime organizado?
O nosso Código Penal é de 1941. Ele retrata a realidade de uma época em que não existia essa forma de organização criminosa, com atuação ampla em mais de um Estado ou em vários países simultaneamente. Organização criminosa ainda não é um tipo penal no Brasil, mas a definição legal da Convenção da ONU já existe aqui, porque o decreto 231 introduziu no nosso ordenamento jurídico. A organização criminosa é perene, por tempo indeterminado. Não é para um único ato. Segue a mesma lógica da atividade empresarial quando busca lucros. A diferença crucial está na finalidade, na exploração de atividades ilegais.
O sr. já recebeu telefonema de político pedindo alívio?
Nunca. Tenho 16 anos de Polícia Federal. Nunca recebi nenhuma pressão como delegado, ou como presidente de inquérito, chefe de delegacia ou diretor que fui. Nunca ousaram pedir que eu fizesse ou deixasse de fazer alguma coisa para privilegiar ou perseguir quem quer que seja. Esse é um dogma para a PF. Qualquer policial, com seis meses de trabalho ou 30 anos, tem isso como dogma. Nós investigamos, desenvolvemos nossas atividades dentro da legalidade. Nosso controle hierárquico é rigoroso para que não haja desvios.
O corte de verbas não é uma forma de fazer a PF tirar o pé do acelerador?
O princípio da economia de que as necessidades são crescentes e os recursos são escassos vale para tudo, inclusive para a gestão pública. Se nós temos demandas crescentes por atuação na emissão de passaportes, no controle imigratório, na própria modernização de tecnologia e na ampliação de nossos quadros de funcionários para fazer frente aos grandes desafios que temos, é óbvio que demandamos dinheiro. Mas a saúde, a educação também. As áreas típicas, essenciais do serviço público, demandam recursos financeiros. Podemos ver o país como uma grande família ou uma empresa, cada um com uma função. Mas a empresa pode estar passando por um determinado momento, e é o caso do Brasil, e nós compreendemos isso. Temos um risco de inflação. Quem viu o cenário de grandes desarranjos na economia por conta da inflação sabe que é o primeiro inimigo a ser combatido.
Como a PF vai driblar o corte?
Estamos fazendo todo o possível para não deixar nada do que é essencial para depois. Se fosse outro cenário, se tivesse recurso para a saúde, a educação e o transporte, recurso para todo mundo, e só não tivesse para a Polícia Federal, então você poderia questionar. Mas houve um corte linear para todos os ministérios. Antes de falar que não tem dinheiro para investigação criminal, já não teve para obras, para novas viaturas, para treinamento. Por isso, por um período de um ano, um pouco mais, o contingenciamento de verbas não gerará impacto na nossa atividade de repressão ao crime. E há uma causa, uma justificativa bastante razoável: temos uma pressão inflacionária. Não sou economista, mas leio jornais. Leio o Estadão todos os dias. Vamos cumprir nosso papel sem problemas. Compreendemos o propósito do governo federal, é mais do que justificável.
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