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sexta-feira, 8 de abril de 2011

Caso Realengo.

O Realengo sempre foi um bairro carioca mais conhecido pela canção de Gilberto Gil do que por cenas de TV. Ontem as coisas mudaram. Uma chacina em escola municipal, cometida por um ex-aluno esquisóide, invisível à sociedade, trouxe horror ao país. Casos como esse despertam interesses de todos, especialmente por conta de brutalidade e do ineditismo. Nos editoriais dos principais jornais do país, jornalistas expõe suas visões sobre o fato. Alguns, talvez com ideologia mais à direita, propõem como solução o aumento da segurança armada. Outros, com viés mais à esquerda, esperam que as escolas permaneçam abertas à população. O Xiquexiquense filia-se à ultima corrente. Acredita que uma das possíveis soluções seria a proibição de venda de armas nas cidades com mais de 50.000 habitantes e a criação de uma central telefônica em que estudantes incomodados com o tratamento recebido na escola pudessem encontrar apoio de psicólogos, nos moldes dos disks-vida existentes para atender pessoas que pensam em se matar. Se esse serviço tivesse comunicação com as escolas, então, o resultado seria mais eficiente. Enfim, cada vez fica mais claro que as marcas deixadas na fase estudantil da vida repercute com intensidade nas demais etapas do crescimento. Agora estamos diante de um bom tema para ser debatido em sala de aula. As redações dos alunos podem ser esclarecedoras. O trabalho fica então com os educadores, ao invés de policiais. Seguem os editoriais. Abaixo está o do jornal Zero Hora, que é o mais abrangente entre três.

O que fazer com essa dor?

O Brasil está chocado, consternado e ferido com o massacre de escolares no Rio. Nunca imaginamos que um fato tão horroroso pudesse acontecer conosco, com nossas crianças, numa escola pública da cidade mais famosa do país, em plena luz do dia. Tudo é desconcertante neste doloroso episódio: o insano atirador teve livre acesso ao local porque era ex-aluno da escola, ele não tinha antecedentes policiais e nada – a não ser o seu comportamento introvertido – indicava tratar-se de uma pessoa com transtorno mental e potencialmente perigosa. Mas era. E agora a tragédia está consumada, com famílias desesperadas pela perda de vidas jovens e o país inteiro se questionando sobre como uma estupidez dessa dimensão pode ter acontecido.
Tanto quanto a inconformidade e a indignação, o questionamento é procedente, necessário e pode ser elucidador. Só um debate exaustivo em torno do deplorável caso é que poderá acender novas luzes nesta obscura questão da violência gratuita e imprevisível. O desafio da sociedade brasileira, das autoridades e dos cidadãos, dos pais e dos educadores, é transformar esta dor coletiva em prevenção, para que fatos desta natureza não voltem a se repetir nem se tornem rotineiros, como infelizmente acontece em outros países.
São inúmeros os pontos que merecem reflexão. Ainda que a motivação do desvairado atirador do Realengo pareça resultar de um desequilíbrio psíquico relacionado ao fanatismo religioso, como se pode deduzir pelo teor da carta que deixou, crimes semelhantes registrados em outros pontos do planeta remetem a causas que podem ser trabalhadas de forma preventiva. Veja-se, por exemplo, a questão da violência escolar e do bullying: instituições que desenvolvem programas preventivos, que orientam os jovens e oferecem alternativas saudáveis de esporte e lazer, vêm registrando resultados altamente positivos. Escolas que pregam uma cultura de paz, com ações práticas voltadas para este objetivo, reduzem significativamente o espaço para violências e tragédias.
Inadiável, também, é o ataque ao problemas das drogas, tanto no ambiente escolar quanto no familiar. A tolerância com as drogas lícitas por parte dos adultos é reconhecida por especialistas como estímulo para os jovens ingressarem na viagem quase sempre sem volta dos tóxicos. Compete às autoridades a implementação de políticas públicas preventivas e de programas de tratamento e recuperação, mas também é dever de pais e professores a orientação adequada, a identificação de condutas antissociais, a proteção e o acompanhamento de crianças e adolescentes que precisam de ajuda.
Da mesma forma, cabe aos adultos manter atenção permanente em relação à atração dos jovens por armas e por diversões baseadas na violência. Embora se saiba que pessoas saudáveis e bem formadas não se deixam influenciar por apelos externos, os excessos devem servir de alerta para que não degenerem em fanatismo. Sociedades demasiadamente tolerantes com o uso e a comercialização de armas tornam-se mais vulneráveis a massacres, como comprovam as frequentes tragédias em instituições escolares norte-americanas.
Fundamentalismode qualquer espécie e moralismo exacerbado também merecem total atenção, tanto por parte das autoridades quanto de familiares, amigos e colegas de trabalho ou escola dos indivíduos que assim se comportam. Considerando-se que a literatura médica registra a existência em qualquer sociedade de um índice elevado de psicopatas em potencial, é decisivo que os sinais sejam identificados, para que essas pessoas possam ser mantidas sob controle ou encaminhadas a tratamento adequado. Para isso, obviamente, é preciso que o poder público desenvolva uma rede eficaz de atendimento a pessoas com distúrbios psíquicos, o que infelizmente inexiste no país, principalmente ao alcance da população de baixa renda.
É compreensível que muitos brasileiros tenham chorado ontem, como fez a própria presidente Dilma Rousseff ao decretar luto oficial em homenagem às crianças mortas. Mas, depois das lágrimas, temos todos que agir. Há muito a fazer a partir desta dor imensa que a população brasileira compartilha com os familiares das vítimas desta insanidade inexplicável, irreparável e insuportável – mas, quem sabe, previsível.

Caso Realengo: saída à esquerda.

No editorial, O Folha de São Paulo entende que o fortalecimento dos instrumentos de segurança não resolveria por si o grave problema.

Tiros em Realengo
O país prostrou-se diante da notícia vinda do Rio de Janeiro: o jovem Wellington Menezes de Oliveira, ex-aluno da escola municipal Tasso da Silveira, no pacato bairro de classe média de Realengo (zona oeste do Rio), invadiu o estabelecimento e disparou seguidas vezes contra alunos. Foram dez meninas mortas e dois meninos. O criminoso também morreu.
Essa classe peculiar de massacre é inédita no Brasil, ao menos na quantidade de mortes dentro de uma escola e sem relação aparente com tráfico de drogas ou crimes passionais. Segue um padrão sinistro, originário dos Estados Unidos, onde se conta uma dezena de episódios similares nas duas últimas décadas -entre os mais célebres figuram o de Columbine, Colorado (1999), e o de Virginia Tech (2007).
O fenômeno não é exclusivamente americano, contudo. Alemanha, Canadá, China, Escócia e Finlândia, entre outros, já presenciaram tragédias como essas -para falar apenas de massacres ocorridos em locais de ensino.
As notícias correm o mundo. Em todos os países se acham jovens perturbados, que num dado momento -sempre imprevisível, por mais que se esmiúcem os eventos- abrem a bala o caminho para uma triste fama.
A busca por algum sentido no massacre de Realengo se repetirá, de novo sem muita chance de sucesso. Por solidariedade, sensação de impotência ou mero oportunismo, políticos e especialistas estarão entregues ao exercício de propor soluções atabalhoadas, como o endurecimento das leis ou a instalação de um regime policial nas escolas públicas.
Mesmo que se posicionassem policiais em cada colégio, não haveria garantia de que tais episódios seriam evitados. Escolas são locais públicos; no Brasil, onde os estabelecimentos da rede oficial são notoriamente problemáticos, seria até desejável que mais pais de alunos e ex-alunos -a comunidade, enfim- os frequentassem.
Transformar escolas em fortalezas não impede nem a violência urbana, cotidiana e convencional. O que dizer, então, de explosões irracionais como a do colégio Tasso da Silveira? A hora é de luto e compaixão, mais que rompantes.
Ao poder público compete empreender investigação minuciosa da matança, para iluminar o que for possível sobre Realengo. Por exemplo: como foram obtidas as armas usadas pelo atirador?
Não será surpresa constatar que, apesar de tantas campanhas de desarmamento, a facilidade de acesso às ferramentas da morte continua uma das falhas mais gritantes do trabalho policial no país.

Caso Realengo: saída à direita.

Em seu editorial, O Globo ver como resposta à chacina de Realengo o recrudescimento dos órgãos de segurança.
Depois da tragédia de Realengo

A dor, a incredulidade e o espanto são sentimentos inescapáveis nestas horas que se seguem à tragédia de Realengo, uma das mais cruentas da crônica da violência no país. Um assassino que, a sangue-frio, atira contra vítimas indefesas choca a sociedade em qualquer parte do mundo - e, se o alvo são crianças e adolescentes que, numa sala de aula, mal haviam começado a desenhar suas histórias pessoais, o ato sanguinário ganha uma dimensão ainda mais dantesca. É com esta sensação, com não poucas manifestações de extrema aflição da população e, por óbvio, daqueles que perderam seus filhos na Escola Tasso da Silveira, que o Rio atravessou ontem um dos mais penosos dias de sua história - e é ainda em comoção que a cidade e o país haverão de acordar hoje. A tristeza e o luto provocados pelo episódio no subúrbio carioca ficarão como marca trágica na crônica policial brasileira. 
O poder público deu, à primeira hora do assassinato em série, respostas adequadas à emergência da situação. Mas tem o dever de dar outras, no day after da tragédia - a primeira delas, o descarte de eventuais teses que atribuam o horror em Realengo à fatalidade, ao fortuito. Ainda que haja alguma dose desses ingredientes no episódio, dobrar-se preferencialmente a eles para tentar explicar o ato de terror será a pior das reações, com danos irreparáveis à credibilidade das autoridades e à preservação da segurança da sociedade. 
O momento é de extremo sofrimento, mas o poder público não pode confinar o atentado em Realengo ao desequilíbrio isolado de um serial killer, mesmo que haja na tragédia traços evidentes de desequilíbrio mental. A sociedade está chocada e há o compromisso moral da solidariedade com as famílias atingidas, mas, para as autoridades, há lições imediatas a tirar da barbárie. O Rio e o país, por exemplo, precisam aperfeiçoar os mecanismos de vigilância e de prevenção da violência, não só para o dia a dia de cidades superpovoadas, mas também em razão dos grandes eventos - a Copa de 2014 e os Jogos de 2016 - que, por sua natureza, atrairão grande fluxo de turismo e potencialmente colocarão o Brasil na rota do terror internacional. 
Para desestimular outras manifestações de bestialismo, tanto devido à alta criminalidade no país quanto em relação a grupos movidos pelo ódio ideológico, ou loucura, é fundamental que instrumentos e órgãos de segurança (polícia e organismos afins) deem inquestionáveis e crescentes demonstrações de eficiência. No caso específico das escolas, é certo que elas não devem ser fechadas à comunidade, mas disso não deve decorrer relaxamento com a integridade daqueles que as frequentam. 
A chacina de Realengo também chama a atenção para outro viés da segurança pública - a que trata das ações de controle de armas. Avançou-se neste quesito com a edição do Estatuto do Desarmamento, mas há brechas na lei que ainda permitem a circulação de armamento em perigosa escala. Junte-se a isso a inexplicável omissão da Polícia Federal no rastreamento de armas e munição que, compradas no comércio legal, acabam sendo desviadas para o arsenal do banditismo. 
O país chora de tristeza. Mas que do sofrimento advenha o ensinamento de ver no crime de Realengo não uma manifestação isolada, mas um alerta para a necessidade de o poder público aperfeiçoar seus instrumentos de prevenção contra qualquer tipo de violência.