terça-feira, 30 de outubro de 2012

Oposição a prefeitos se saiu melhor nas urnas

Candidatos de oposição aos atuais prefeitos foram eleitos em 50 das 85 cidades mais importantes do país nas eleições deste ano.

O número representa um aumento de 56% em relação ao desempenho das oposições municipais na campanha anterior, em 2008.

Naquele ano, o panorama foi o inverso: os situacionistas ganharam em 53 cidades, e os oposicionistas, em 32.

Esse conjunto de prefeituras inclui as capitais e os municípios com mais de 200 mil eleitores.

Um dos fatores que ajudaram os governistas quatro anos atrás foi o alto número de tentativas de reeleição.

À época, 41 prefeitos desses municípios foram reeleitos --outros sete tentaram.

Agora, houve apenas 22 reeleições, e o número de prefeitos derrotados nas urnas dobrou: passou para 16.

Para Ricardo Ismael, cientista político da PUC-RJ, houve, em 2012, mais competitividade nas eleições com uma maior participação de partidos menores, o que dificultou a situação para aqueles que tentavam a reeleição.

"A ausência de adversários favorece quem está na administração", afirma Ismael.

Ele cita o exemplo de Eduardo Paes (PMDB), reeleito em primeiro turno no Rio com 20 partidos na coligação.

A tendência, segundo Ismael, é que os partidos grandes tenham de negociar mais.

Nas 26 capitais estaduais, os índices são ainda mais chamativos: foram seis vitórias oposicionistas em 2008 e 20 nas eleições deste ano.

O fenômeno não tem relação direta com o posicionamento desses candidatos com o governo Dilma Rousseff.

Há petistas e tucanos tanto entre perdedores como entre os vencedores. Pelo país, grupos políticos instalados há décadas no poder local sofreram reveses neste mês.

Em Curitiba, por exemplo, o prefeito Luciano Ducci (PSB) não chegou nem ao segundo turno. A cidade elegeu Gustavo Fruet (PDT), encerrando um domínio de 24 anos de uma corrente que incluiu prefeitos de PMDB, o antigo PFL (hoje DEM) e PSDB.

Em Campo Grande (MS), o PMDB vai deixar a prefeitura após 20 anos. Em Diadema (SP), o PT tentou reeleger o atual prefeito, mas perdeu para o PV. Petistas comandaram a prefeitura por 30 anos, com exceção de 1996 a 1999.

ESTAGNAÇÃO

Uma outra explicação para o fenômeno pode estar na economia, com a redução de poder de investimento dos prefeitos: a eleição de 2008 ocorreu quando surgiam os primeiros sinais da crise financeira fora do Brasil.

De 2005 a 2008, período de duração do mandato anterior aos dos atuais prefeitos, o país cresceu em média 4,6%.

Nos últimos tempos, o crescimento desacelerou. A média destes quatro anos deve ficar abaixo dos 3% ao ano.

O professor José Paulo Martins, do departamento de Ciências Políticas da UniRio, atribui os números à dificuldade de renovação que os grandes partidos enfrentam.

"Isso pode explicar o bom desempenho do PSB e, em menor escala, do PSOL."

O PSB venceu em 11 das 85 cidades, sendo em nove delas como oposição. A direção da sigla diz que decidiu "ousar" e lançar candidatos próprios em cidades onde apoiava outras legendas.

A estratégia deu certo em duas das maiores metrópoles do país: Fortaleza e Recife, onde rompeu com o PT e vai assumir as prefeituras.

"Ninguém está como dono, com uma vitória esmagadora. É importante porque garantiu o pluralismo", afirma Carlos Siqueira, primeiro-secretário nacional do PSB.

Para o secretário-geral do PSDB, Rodrigo de Castro, a renovação também explica os resultados deste ano.

Ele diz que o "recado" das urnas é que "aquela história de que era muito fácil se reeleger não existe mais". "Onde a gente ia a população pedia caras novas."

No grupo dessas capitais e de maiores municípios moram o equivalente a 37% dos eleitores do país.

Fonte: Folha de SP

domingo, 28 de outubro de 2012

O Novo, o moço e a renovação

Por Carlos Melo*

Fernando Haddad venceu; Lula é mesmo um forte. Derrotado fosse, o ex-presidente amargaria hoje seu maior fracasso: associada ao Mensalão, a derrota seria interpretada como seu fim. Justos, então, os créditos: Lula acreditou, ousou, correu riscos. Mas, isto não facilita para novo prefeito: Haddad terá que provar que também é um forte. Se ampla estrada se abriu, longo será o caminho. E sua missão será percorre-lo escrevendo uma nova história.

Ninguém sabe os desdobramentos do mensalão: o quanto pode transbordar para outros atores, incendiar novos rancores. Trata-se de um capítulo que deixou feridas e demarca um tipo de política que precisa ser superada. Não apenas retoricamente, como nas campanhas eleitorais, mas na prática, nos métodos e valores. Não se restringe isto ao PT e nem à Ação 470. O Julgamento, de algum modo, tratou de hábitos e costumes do sistema político.

É justo que o PT sinta-se hoje com alma lavada. Foi realmente seu maior suplício: a coincidência do julgamento com a eleição mexeu com muitos demônios. Mas, será um erro não exorcizá-los. Saber ganhar é mais importante que saber perder. Para Haddad será importante compreender que a vitória não absolve condenados, nem apaga a história. Mas, pode, no entanto, mais rapidamente virar a página. Permitir que se escreva com novas tintas, num novo alfabeto.

Separando as coisas, o eleitor deu chance e lição: no seu cálculo, as políticas públicas, o novo rosto e a perspectiva de novos métodos atuaram mais decisivamente do que o ressentimento. Foi uma escolha pela superação.

A oposição continuará criticando os mais pobres por defenderem seus legítimos interesses antes de se preocupar com o bolor de um sistema político que, entendem, não os representa? Seria improdutivo, mais uma vez. Precisa, então, compreender o recado: não se perdoou o Mensalão; mas não se aceitou o farisaísmo, como se o sistema político fosse bom e ruins fossem apenas esses mensaleiros. E os outros? A Justiça ainda dirá.

Melhor será compreender e discutir a política em outro nível. O estilo “nós não temos nada contra o Suplicy, só não queremos o PT mandando aqui” (Maluf, 1992), ressuscitado por Serra, é velho e cansou. Não tem a mesma força de um tempo em que o PT ainda não fora suficientemente testado, um PT sem políticas públicas a mostrar.

José Serra tinha muito a dizer, mas apostar nisso foi seu maior erro. E não foi um erro novo. Em 2006, Alckmin já o cometera e, em 2010, Serra também. A política é feita para superar impasses, olhar para o futuro, trazer o progresso. Não para enfiar o dedo nas feridas dos estropiados. Condenados pagam por seus crimes; a Justiça decide. Não se tripudia suas desgraças, nem se sapateia sobre seus caixões. Crueldade dá pouco voto.

Assim, como Dilma, em 2010, Haddad foi um estreante de desempenho excepcional, nas ruas, na TV, nos debates. Quem torcia para que o calouro se encolhesse diante do veterano, se decepcionou. Sabendo o tamanho do desgaste do PT, o candidato não se intimidou: foi em frente, insistiu teimosamente na necessidade de virar páginas; não “respondeu na mesma moeda”, não aloprou. Empunhou um programa de governo, apontou críticas impessoais. Trouxe inovações, a começar pelo Bilhete Único Mensal, um inegável aggiornamento da cidade com o mundo.

Candidato, Haddad surfou a onda do “novo”. Prefeito, não poderá fazê-lo servindo-se apenas do novo na idade, o moço. Dele se espera o novo de verdade, na reformulação de quadros e costumes. O novo, de fato. Voz ativa num PT que precisa de depuração; na política nacional que exige novos ares. Que não seja outro Collor, outro Pitta, pois comparado será. Que componha sem arrogância, mas não se deixe conduzir pelo atraso. Que conduza renovações múltiplas: na urbe, na política, nos valores. Não será fácil. Mas, “Non Ducor Duco” é o lema da Cidade que o escolheu.

* Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper

Fonte: Estadão

sábado, 27 de outubro de 2012

A favor da polarização


O Brasil tem 30 partidos, dos quais 24 com representação no Congresso. Todos levam dinheiro público e a maior parte conta com tempo de TV e outras regalias. Nenhum país sério deveria manter tal sistema político.

Virou clichê nas eleições atuais criticar a polarização PSDB-PT. Ela seria responsável pelo aumento da abstenção e dos votos nulos e brancos no pleito paulistano, reflexo do desinteresse da população.

Pois que viva a polarização. Se fosse de verdade, o bipartidarismo significaria a maturidade da política local.

Não o bipartidarismo imposto pela ditadura militar a partir de 1966, quando as siglas extintas deram lugar ao MDB e à Arena --dizia-se à época que o primeiro, oposicionista sem dentes, era o partido do "sim" e o segundo, situacionista sem escrúpulos, o do "sim, senhor".

Mas o bipartidarismo que é fruto de anos de democracia consolidada, como existe nos EUA. Ali, desde pelo menos o Congresso de 1877, a política é dominada pelos partidos Democrata e Republicano.

Não são os únicos. Há vários nanicos, quatro deles com candidatos à Presidência na corrida atual: Verde, Libertário, da Constituição e da Justiça. Porém não são levados a sério por não terem chance. E não têm chance porque o sistema político não permite que tenham.

Com isso, os políticos de centro-esquerda e de esquerda se concentram sob o guarda-chuva dos democratas; os de centro-direita e de direita, sob o dos republicanos. Há centristas em ambas as agremiações. Elas formam duas massas mais ou menos coesas, que costumam votar segundo seu próprio rol de princípios e interesses.

O mesmo deveria ocorrer aqui. Gilberto Kassab e seu recém-criado PSD deveriam estar no partido tucano; Eduardo Campos e seu PSB, com os petistas. O DEM seria a ala mais à direita do PSDB; o PSOL, a mais à esquerda do PT. O PMDB evaporaria, mezzo calabresa, mezzo mozarela. E assim por diante.

Diminuiriam as maracutaias e os acordos pouco republicanos, acabariam as vendas de tempo na TV, as prévias passariam a existir de verdade, os debates ganhariam relevância e ritmo. Por que não acontece? Primeiro, pela legislação brasileira, que carece de reforma.

Depois, porque os caciques dos dois partidos majoritários sufocam jovens lideranças. O PT está renovando seus quadros em São Paulo com Fernando Haddad e Alexandre Padilha, mas à custa do dedaço de Lula. O PSDB vive há anos o psicodrama José Serra-Geraldo Alckmin.

Quem gosta de consenso é juizado de pequenas causas. Só o Fla-Flu partidário nos tirará da infância política. Polarização já.

SÉRGIO DÁVILA é editor-executivo da Folha de SP.

Fonte: Folha de SP

ACRÉSCIMO: a polarização partidária não significa redução ou extinção do pluralismo político, na medida em que as disputas mais amplas do espectro político-ideológico seriam, ou deveriam ser, resolvidas no âmbito interno aos próprios partidos, como ocorre atualmente entre as correntes partidárias de algumas agremiações.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Saúde, educação e Dilma fazem Brasil subir em ranking de igualdade entre sexos

Em um ano, o Brasil saltou de 82º colocado para 62º no ranking de igualdade entre sexos (Global Gender Gap Index) do Fórum Econômico Mundial, a ser divulgado hoje em Nova York.

O avanço tem "duas razões-chave", de acordo com a diretora de Paridade de Gênero e Capital Humano da organização, a paquistanesa Saadia Zahidi: aumentou de 7% para 27% a proporção de mulheres ministras e, "é claro, a presidente Dilma Rousseff estava no poder neste último ano, o que também tem impacto no índice".

Outro fator é que o país, "de fato, acabou com a diferença de gênero tanto em saúde como em educação" ao longo dos últimos anos, dividindo agora o primeiro lugar com diversos outros países, em ambas as áreas.

O estudo, realizado anualmente desde 2006 por Zahidi e pelos professores Ricardo Hausmann, de Harvard, e Laura Tyson, de Berkeley, leva em consideração quatro categorias: saúde e sobrevivência; realização educacional; participação e oportunidade econômica; e fortalecimento do poder político.

Se por um lado avançou em aumento do poder das mulheres, com Dilma e ministras, e já vinha melhorando em saúde e educação, por outro o Brasil segue atrás em participação econômica.

Mais precisamente, em dois dos cinco indicadores que compõem a categoria: a participação na força de trabalho e a similaridade de salário.

No primeiro, "sobrevive uma grande diferença", com 64% das mulheres participando da força de trabalho, contra 85% dos homens. "Para um país onde mais mulheres se formam nas escolas, mais mulheres se formam nas universidades, é um desperdício de todo esse talento", critica Zahidi, 32.

No segundo indicador, diante da pergunta "Mulheres e homens recebem salários similares?", executivos brasileiros responderam que os rendimentos são "muito mais baixos" para mulheres, cerca de 52% dos rendimentos dos homens.

O ranking geral traz algumas surpresas, como a Nicarágua em primeiro lugar na América Latina e em nono no mundo ou a África do Sul em 16º no mundo. Segundo Zahidi, isso se deve ao fato de focar as diferenças entre os sexos, não o nível de desenvolvimento do país.

Ela destaca que, de modo geral, "o mundo está indo bem" na paridade de gênero em saúde em educação, mas nem tanto em empoderamento político e participação econômica, "áreas em que nem os países nórdicos acabaram com a diferença".

Fonte: Folha de SP

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

PRE-BA pede reforço de policiamento em Xique-xique durante eleições

O procurador Regional Eleitoral na Bahia, Sidney Madruga, pediu prioridade no policiamento das eleições em nove municípios do interior do estado, para prevenir episódios de violência relacionados com o pleito de domingo (7). Camaçari, Candiba, Gandu, Presidente Tancredo Neves, Riachão do Jacuípe, Santa Brígida, Santa Cruz da Vitória, Santo Antônio de Jesus e Xique-xique são alvos do pedido de reforço em ofícios enviados ao delegado geral da Polícia Federal, ao comandante geral da Polícia Militar e ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) durante a semana. As solicitações foram baseadas em relatos recebidos pelos promotores eleitorais das localidades, pela Procuradoria Regional Eleitoral (PRE) e pelo próprio TRE. Os ofícios foram encaminhados pelos promotores à procuradoria, que centralizou o pedido de reforços à Justiça Eleitoral, Polícia Militar e Polícia Federal.

Fonte: Bahia Notícias

terça-feira, 2 de outubro de 2012

A retórica do ódio na cobertura

Os brasileiros no exterior que acompanham o noticiário brasileiro pela internet têm uma impressão de que o país nunca esteve tão mal. Explodem os casos de corrupção, a crise ronda a economia, a inflação está de volta e o país vive imerso no caos moral. Isso é o que querem nos fazer crer as redações jornalísticas do eixo Rio-São Paulo. Com seus gatekeepers escolhidos a dedo, Folha de S.Paulo,Estado de S.Paulo,Veja e O Globo investem pesadamente no caos com duas intenções: inviabilizar o governo da presidenta Dilma Rousseff e destruir a imagem pública do ex-presidente Lula da Silva. Até aí, nada novo. Tanto Lula quanto Dilma sabem que a mídia não lhes dará trégua, embora não tenham – nem terão – a coragem de uma Cristina Kirchner de levar a cabo uma nova legislação que democratize os meios de comunicação e redistribua as verbas governamentais para o setor. Pelo contrário, a Polícia Federal segue perseguindo as rádios comunitárias e os conglomerados de mídia Globo e Abril celebram os recordes de cotas de publicidade governamentais. O PT sofre da síndrome de Estocolmo (aquela em que o sequestrado se apaixona pelo sequestrador) e o exemplo mais emblemático disso é a posição de Marta Suplicy como colunista de um jornal cuja marca tem sido o linchamento e a inviabilização política das duas administrações petistas em São Paulo.

O que chama a atenção na nova onda conservadora é o time de intelectuais e artistas com uma retórica que amedronta. Que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso use a gramática sociológica para confundir os menos atentos já era de se esperar, como é o caso das análises de Demétrio Magnoli, especialista sênior da imprensa em todas as áreas do conhecimento. Nunca alguém assumiu com tanta maestria e com tanta desenvoltura papel tão medíocre quanto Magnoli: especialista em políticas públicas, cotas raciais, sindicalismo, movimentos sociais, comunicação, direitos humanos, política internacional... Demétrio Magnoli é o porta-voz maior do que a direita brasileira tem de pior, ainda que seus artigos não resistam a uma análise crítica.

Jornalismo lombrosiano

Agora, a nova cruzada moral recebe, além dos já conhecidos defensores dos “valores civilizatórios”, nomes como Ferreira Gullar e João Ubaldo Ribeiro. A raiva com que escrevem poderia ser canalizada para causas bem mais nobres se ambos não se deixassem cativar pelo canto da sereia. Eles assumiram a construção midiática do escândalo, e do que chamam de degenerescência moral, como fato. E, porque estão convencidos de que o país está em perigo, de que o ex-presidente Lula é a encarnação do mal, e de que o PT deve ser extinto para que o país sobreviva, reproduzem a retórica dos conglomerados de mídia com uma ingenuidade inconcebível para quem tanto nos inspirou com sua imaginação literária.

Ferreira Gullar e João Ubaldo Ribeiro fazem parte agora daquela intelligentsia nacional que dá legitimidade científica a uma insidiosa prática jornalística que tem na Veja sua maior expressão. Para além das divergências ideológicas com o projeto político do PT – as quais eu também tenho –, o discurso político que emana dos colunistas dos jornalões paulistanos/cariocas impressiona pela brutalidade. Os mais sofisticados sugerem que, a exemplo de Getúlio Vargas, o ex-presidente Lula se suicide; os menos cínicos celebraram o “câncer” como a única forma de imobilizá-lo. Os leitores de tais jornais, claro, celebram seus argumentos com comentários irreproduzíveis aqui.

Quais os limites da retórica de ódio contra o ex-presidente metalúrgico? Seria o ódio contra o seu papel político, a sua condição nordestina, o lugar que ocupa no imaginário das elites? Como figuras públicas tão preparadas para a leitura social do mundo se juntam ao coro de um discurso tão cruel e tão covarde já fartamente reproduzido pelos colunistas de sempre? Se a morte biológica do inimigo político já é celebrada abertamente – e a morte simbólica ritualizada cotidianamente nos discursos desumanizadores – estaríamos inaugurando uma nova etapa no jornalismo lombrosiano?

O espetáculo da punição

Para além da nossa condenação aos crimes cometidos por dirigentes dos partidos políticos na era Lula, os textos de Demétrio Magnoli, Marco Antonio Villa, Ricardo Noblat, Merval Pereira, Dora Kramer, Reinaldo Azevedo, Augusto Nunes, Eliane Cantanhêde, além dos que agora se somam a eles, são fontes preciosas para as futuras gerações de jornalistas e estudiosos da comunicação entenderem o que Perseu Abramo chamou apropriadamente de “padrões de manipulação” na mídia brasileira. Seus textos serão utilizados nas disciplinas de deontologia jornalística não apenas como exemplos concretos da falência ética do jornalismo tal qual entendíamos até aqui, mas também como sintoma dos novos desafios para uma profissão cada vez mais dominada por uma economia da moralidade que confere legitimidade a práticas corporativas inquisitoriais vendidas como de interesse público.

O chamado “mensalão” tem recebido a projeção de uma bomba de Hiroshima não porque os barões da mídia e os seus gatekeepers estejam ultrajados em sua sensibilidade humana. Bobagem. Tamanha diligência não se viu em relação à série de assaltos à nação empreendida no governo do presidente sociólogo. A verdade é que o “mensalão” surge como a oportunidade histórica para que se faça o que a oposição – que nas palavras de um dos colunistas da Veja “se recusa a fazer o seu papel” – não conseguiu até aqui: destruir a biografia do presidente metalúrgico, inviabilizar o governo da presidenta Dilma Rousseff e reconduzir o projeto da elite “sudestina” ao Palácio do Planalto.

Minha esperança ingênua e utópica é que o Partido dos Trabalhadores aprenda a lição e leve adiante as propostas de refundação do país abandonadas como acordo tácito para uma trégua da mídia. Não haverá trégua, ainda que a nova ministra da Cultura se sinta tentada a corroborar com o lobby da Folha de S.Paulo pela lei dos direitos autorais, ou que o governo Dilma continue derramando milhões de reais nos cofres das organizações Globo e Abril via publicidade oficial. Não é o PT, o Congresso Nacional ou o governo federal que estão nas mãos da mídia. Somos todos reféns da meia dúzia de jornais que definem o que é notícia, as práticas de corrupção que merecem ser condenadas e, incrivelmente, quais e como devem ser julgadas pela mais alta corte de Justiça do país. Na última sessão do julgamento da Ação Penal 470, por exemplo, um furioso ministro-relator exigia a distribuição antecipada do voto do ministro-revisor para agilizar o trabalho da imprensa (!). O STF se transformou na nova arena midiática onde o enredo jornalístico do espetáculo da punição exemplar vai sendo sancionado.

Coragem de enfrentar o monstro

Depois de cinco anos morando fora do país, estou menos convencido por que diabos tenho um diploma de jornalismo em minhas mãos. Por outro lado, estou mais convencido de que estou melhor informado sobre o Brasil assistindo à imprensa internacional. Foi pelas agências de notícias internacionais que informei aos meus amigos no Brasil de que a política externa do ex-presidente metalúrgico se transformou em tema padrão na cobertura jornalística por aqui. Informei-os que o protagonismo político do Brasil na mediação de um acordo nuclear entre Irã e Turquia recebeu atenção muito mais generosa da mídia estadunidense, ainda que boicotado na mídia nacional. Informei-os que acompanhei daqui o presidente analfabeto receber o título de doutor honoris causa em instituições europeias e avisei-os que por causa da política soberana do governo do presidente metalúrgico, ser brasileiro no exterior passou a ter uma outra conotação. O Brasil finalmente recebeu um status de respeitabilidade e o presidente nordestino projetou para o mundo nossa estratégia de uma América Latina soberana.

Meus amigos no Brasil são privados do direito à informação e continuarão a ser porque nem o governo federal nem o Congresso Nacional estão dispostos a pagar o preço por uma “reforma” em área tão estratégica e tão fundamental para o exercício da cidadania. Com 70% de aprovação popular e com os movimentos sociais nas ruas, Lula da Silva não teve coragem de enfrentar o monstro e agora paga caro por sua covardia. Terá Dilma coragem com aprovação semelhante, ou nossa meia dúzia de Murdochs seguirão intocáveis sob o manto da liberdade de e(i)mpre(n)sa?

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[Jaime Amparo Alves é jornalista e doutor em Antropologia Social, Universidade do Texas, Austin]


Fonte: observatório da imprensa