sábado, 21 de setembro de 2013

O homem que inventou o pré-sal levava mapa de campos da bacia de Santos no bolso

Oito anos depois de aposentado, Guilherme Estrella foi chamado de volta ao trabalho. Dois anos depois da posse do presidente Lula, levava ao presidente os mapas dos gigantescos reservatórios do pré-sal brasileiro, concentrado na bacia de Santos. Virou o "pai do pré-sal" para Lula. Cotado para presidir a PPSA, que vai administrar os contratos de partilha do pré-sal, ele diz não querer nem pensar na possibilidade.

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Nasci durante a Segunda Guerra, justamente a responsável por fazer da geologia a ciência de maior crescimento na época. Os submarinos alemães se escondiam em formações geológicas em frente aos EUA, daí a necessidade de conhecer essa ciência.

Sou de uma família classe média da Ilha do Governador, zona norte do Rio. Vivia de frente para a baía de Guanabara, que não era o esgoto que é hoje. Morávamos na Lagoa, na zona sul, mas meu pai reclamava do barulho da obra do bonde e nos mudamos.

Fui o geólogo descobridor de um dos maiores poços da bacia do Recôncavo, Miranga, no interior da Bahia, que produz até hoje. A Petrobras produzia 100 mil barris por dia. Em 1966 fiz um levantamento de Alagoas até Vitória e encontrei formações favoráveis a muito petróleo.

Tinha uma frase famosa, do geólogo americano Walter Link, de que o petróleo no Brasil era no mar, e não em terra. Com os primeiros dados, foi dada a autorização para contratar sonda e perfurar no mar.

Eu vivia no interior da Bahia e nem via os movimentos políticos, não participava de nada, mas sabia que os governos militares sempre privilegiaram a Petrobras.
A empresa nunca foi uma empresa do governo, mas de governo, seja qual for.

Na época do Geisel [presidente Ernesto Geisel, 1974-1979] fizemos a primeira perfuração no mar do Espírito Santo, no campo de Guaricema. Os testes indicaram óleo, mas subcomercial. Conta-se que Geisel não aceitou e disse que ia produzir de qualquer maneira, e acabou sendo a primeira descoberta relevante do Brasil.

Descobrimos assim que as simulações que eram feitas antes estavam erradas.

No início dos anos 1970 eram produzidos entre 5.000 e 10 mil barris por dia no mar.

Nessa época fundaram a Braspetro [1972], durante a crise do petróleo, porque os países fornecedores exigiam que os compradores investissem onde compravam, para achar mais petróleo. Faziam isso países como Argélia, Egito, Iraque, Irã e Líbia, que vendiam para o Brasil.

Fui trabalhar no Iraque em 1976 e descobrimos um dos maiores campos do mundo, Majnoon, com 50 bilhões de barris de reservas.

O campo ficava perto do Irã e não podíamos queimar o óleo do teste de formação de poço. Tive que abrir uma bacia enorme no deserto para colocar o óleo.

Mas a Petrobras teve que devolver o campo. O governo nos chamou e disse que grandes campos não faziam parte da política de permitir a operação de estrangeiras no país, que deviam apenas complementar a produção.

A Petrobras foi indenizada direitinho e algumas empresas brasileiras também foram beneficiadas. A Mendes Júnior foi construir estrada de ferro, a Sadia entrou no mercado lá e passamos a exportar Passats para lá.

Voltei ao Brasil em 1978 e fui trabalhar na bacia do Espírito Santo. A bacia de Campos já produzia mais que as outras, mas é um estigma, eu nunca trabalhei na bacia de Campos. Vimos que o petróleo no Espírito Santo estava mais embaixo do que previra o Cenpes, centro de pesquisa da Petrobras.

Perfurar mais fundo foi uma dica que veio de um geólogo franco-americano que trabalhava na Chevron. Ninguém vende uma informação dessa, ele nunca ganhou um tostão por isso.
Fui para o Cenpes e, em 1982, assumi a superintendência. Nessa época já se falava sobre a teoria da separação das placas tectônicas dos continentes sul-americano e africano, que levaram à formação dos reservatórios similares em ambas as costas, mas não havia tecnologia para pesquisar isso.

No Cenpes elegemos um colega para uma vaga importante, mas a diretoria vetou porque ele era presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras. Eu pedi demissão, não aceitei. Isso era 1995, a ditadura já tinha acabado.

Minha esposa morrera um mês antes. Fui morar em Friburgo [região serrana do Rio], casei de novo, entrei para o PT. Fui eleito presidente porque era único com tempo e dinheiro. E também porque a outra chapa perdeu prazo para se habilitar.

Quando Lula ganhou em 2002 fizemos a maior festa. Recebi ligações dizendo que se falava em meu nome para voltar à Petrobras. Recebi um convite do José Eduardo Dutra [presidente da empresa] e voltei.

Quando cheguei lá, não encontrei uma empresa de petróleo, mas uma instituição financeira que investia no setor de petróleo. Tinham acabado com os cursos fora, com as viagens para seminários. Estavam concentrados apenas na bacia de Campos, fazendo caixa, sem investir.

Começamos a expansão. E no primeiro leilão de áreas de petróleo eu vi que a coisa era séria. Quando perdi o primeiro bloco para a Devon, que colocou 100% de conteúdo nacional, a então ministra Dilma Rousseff me ligou cinco minutos depois e disse: "Soube que você perdeu um bloco, isso não vai se repetir, está entendido?".

E claro que não perdi mais nenhum. Ali eu senti que a Petrobras ia reassumir a hegemonia do setor de petróleo no Brasil.

No final de 2005, o gerente-executivo Mario Carminatti me trouxe uns mapas da "picanha azul", como ficou conhecida a área do pré-sal da bacia de Santos. Fui ao Gabrielli [José Sergio Gabrielli, então presidente da Petrobras] e ele me levou para a Dilma, que me levou ao Lula.

Foi aí que começamos a fazer o marco regulatório, eu era o único geólogo naquelas reuniões do marco. O maior embate foi a Petrobras como operadora única, mas só inova quem faz, e decidimos manter assim.

O Lula me chamava toda hora lá em Brasília para mostrar a apresentação de como era o pré-sal, já andava com o pendrive no bolso.

Fiquei muito orgulhoso de participar do marco regulatório, mas vi que era a hora de parar. Estava com 70 anos. Trabalhava de 7h às 21h, morava em uma apart-hotel no Leblon, estava separado.

Ocorreu uma revolução tecnológica, a Petrobras estava completamente diferente de quando cheguei.

Ficou claro para mim que não dava mais, tinha que deixar a turma nova entrar.

Muita empresa me chamou para participar do conselho de administração, mas não acho certo, possuo informações confidenciais da companhia, é difícil trabalhar numa concorrente. Não me arrependo. Estou cuidando do meu acervo, das minhas coleções em Friburgo, das plantas.



terça-feira, 3 de setembro de 2013

Orgulhosa, França tenta entender seu declínio

Por STEVEN ERLANGER, em The New York Times

PARIS - Toda a Europa está falando na "questão francesa": será que o governo socialista do presidente François Hollande conseguirá reverter o lento declínio da França e impedir que o país escorregue definitivamente para a segunda divisão europeia?

O que está em jogo é se um sistema social-democrata, que há décadas se orgulha de servir como modelo para a oferta de um padrão de vida estável e elevado para seus cidadãos, será capaz de sobreviver à combinação de globalização, envelhecimento populacional e agudos cortes fiscais.

Pessoas próximas a Hollande dizem que ele está ciente do que é preciso fazer para cortar gastos e reduzir regulamentações que oneram a economia. Amigos da França, em especial a Alemanha, temem que Hollande possa simplesmente carecer de coragem política para confrontar seus aliados e tomar as decisões necessárias.

Mudar qualquer país é difícil. Mas o desafio na França parece especialmente árduo, em parte porque a vida francesa ainda é muito confortável para muita gente e o dia do juízo parece distante, especialmente para os sindicatos nacionais, pequenos, mas poderosos.

Os franceses têm um justificável orgulho do seu modelo social. A saúde pública e as pensões são boas, muitos franceses se aposentam com 60 anos ou menos, férias de cinco ou seis semanas são a norma e os trabalhadores com empregos em tempo integral têm jornadas semanais de 35 horas e proteções contra demissões.

Mas, numa economia mundial mais competitiva, a questão não é se o modelo social francês é bom, mas se os franceses têm condições de continuar a bancá-lo. Com base nas atuais tendências, a resposta é claramente não ou, pelo menos, não sem mudanças estruturais significativas -em pensões, impostos, benefícios sociais, regras trabalhistas e expectativas.

Mas o Partido Socialista, de Hollande, e a esquerda francesa mais aguerrida não parecem captar a famosa sacada do sobrinho do príncipe em "O Gattopardo", famoso romance de Giuseppe Tomasi di Lampedusa sobre turbulências sociais, segundo quem "é preciso que tudo mude para que tudo continue igual".

Às vezes, conversando com políticos e trabalhadores franceses, há a sensação de que todos eles se consideram revolucionários e membros de comunas -mas, ao mesmo tempo, como a extrema direita, eles desejam fixar o conforto do conhecido.

Em maio de 1968, alunos da Universidade Paris-Nanterre começaram o que julgavam ser uma revolução. Estudantes franceses de gravata e meia soquete atiravam paralelepípedos na polícia e exigiam que o esclerosado sistema do pós-guerra fosse mudado.

Hoje, em Nanterre, alunos preocupados em conseguir empregos e não perder os benefícios estatais exigem que nada mude. Para Raphaël Glucksmann, que liderou uma greve quando estava no colégio, em 1995, os membros da sua geração se sentem nostálgicos em relação a seus pais rebeldes, mas não têm estômago para arrumar briga em tempos difíceis.

"Os jovens marcham para rejeitar todas as reformas", disse ele. "Não vemos alternativas. Somos uma geração sem atitude."

Os socialistas se tornaram um partido conservador, tentando desesperadamente preservar as vitórias do último século.

Mas os sinais de alerta estão por toda parte: o desemprego na França, especialmente entre jovens, está em nível recorde. O crescimento é lento em comparação ao da Alemanha, Reino Unido, EUA ou Ásia. Os gastos públicos representam quase 57% do PIB, maior índice entre os países industrializados. Os aumentos reais de salários superam o aumento da produtividade. A dívida nacional ultrapassa 90% do PIB.

Em Amiens, no norte da França, a Goodyear mantém duas fábricas de pneus. Os empregados de uma delas aceitaram relutantemente mudar as escalas de trabalho, preservando sua fábrica. Os operários da outra rejeitaram a opção, e a Goodyear está tentando fechar a unidade, deixando mais gente sem trabalho.

Há um amplo consenso de que só a esquerda poderá promover uma verdadeira renovação. Mas isso só poderá acontecer se Hollande, que tem maioria parlamentar, estiver disposto a confrontar seu próprio partido em nome do futuro.