Poucos têm fermento para crescer
Em Minas, só 15% dos 853 municípios contam com secretarias de Desenvolvimento. A inexistência dificulta a atração de investimentos
Marinella Castro, Zulmira Furbino e Luiz Ribeiro
Ana Paula Barbosa deixou de ser dependente do Bolsa-Família para ser empregada com carteira assinada
Há um ano, Ana Paula Barbosa, de 29 anos, devolveu o cartão do programa Bolsa-Família que lhe rendia uma ajuda de custo de R$ 70 mensais para manter seus três filhos na escola em Capitão Enéas, no Norte de Minas. Isso só foi possível porque ela, que não tinha profissão, conseguiu emprego com carteira assinada, como operária na Marluvas, indústria que produz calçados de segurança no município. A instalação da fábrica que ajudou a transformar a realidade da economia local ocorreu depois da criação da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico na cidade, entre 2008 e 2009, logo após a regulamentação da Lei Geral da Micro e Pequena Empresa. De lá para cá, já foram gerados 2 mil postos de trabalho no município.
A criação da secretaria foi um divisor de águas em Capitão Enéas. Abriu as portas para a política de crescimento, chave para Ana Paula deixar o patamar da assistência social e migrar para a independência do mercado de trabalho. Apesar de parecer simples, essa fórmula está longe de ser aplicada na imensa maioria dos 853 municípios mineiros. Só cerca de 15% deles contam com a secretaria, segundo estimativa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Isso significa que perto de 725 cidades do estado, ainda dependentes do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), deixam passar um guarda-chuva de oportunidades que se materializam em novos negócios, atração de investimentos, criação de empregos e maior arrecadação.
Da merenda escolar ao material de escritório, as compras de produtos e serviços por parte das prefeituras das cidades de pequeno porte deixam de fomentar a economia local e engordam a conta bancária de fornecedores de fora. Essa perigosa exportação de recursos acontece porque a falta de políticas voltadas para o crescimento deixa de atrair investimentos e de fomentar a economia local. Essa combinação ajuda a alimentar a dependência de verbas federais e estaduais, amarrando o desenvolvimento. "As cidades têm planejamento voltado para atrair verbas nos setores de educação e saúde, mas falta planejamento estratégico para atrair indústrias. Hoje as cidades vão até a indústria de forma aleatória", diz Lincoln Fernandes, presidente do Conselho de Política Econômica e Industrial da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg).
Segundo Fernandes, sem um plano econômico bem definido, destacando três ou quatro vocações da cidade, é quase impossível convencer o industrial a traçar um projeto para o município. "Um investimento em uma metodologia sólida é o trunfo das cidades, mas hoje elas agem de forma aleatória." Quando o planejamento econômico sai do papel, os resultados aparecem. Voltamos ao exemplo de Capitão Enéas, onde a criação da secretaria, além de ajudar a cidade a ganhar de Pernambuco a disputa pela Marluvas, levou à formalização de pequenos negócios e aumentou o dinheiro que circula por lá. As compras municipais de fornecedores da região saíram praticamente do zero e alcançaram, no ano passado, R$ 5 milhões, dinheiro automaticamente reinjetado na economia local. Com mais oferta no comércio e de serviços, a população também passou a consumir mais dentro da cidade, fechando um círculo virtuoso.
A fórmula deu tão certo que o prefeito Reinaldo Landulfo Teixeira recebeu o prêmio Prefeito Empreendedor do Sebrae. "Uma das grandes vantagens que econtramos em Capitão Enéas foi a oferta de mão de obra", comenta o diretor-presidente da Marluvas, Antônio Marcelo Arruda.
"A maioria dos municípios do Brasil e de Minas são dependentes do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Mas eles poderiam ficar mais independentes, criando outras fontes de receita, por exemplo incentivando a indústria e a área de prestação de serviços, o que aumentaria a arrecadação do Imposto sobre Serviços (ISS)", sustenta Tadeu Barreto Guimarães, diretor-presidente do Escritório de Prioridades Estratégicas do governo de Minas. Na visão dele, o município que se ocupa do desenvolvimento econômico do seu território tem vantagens competitivas em relação a outros que não o fazem. "A interlocução fica mais qualificada, facilitando o diálogo com o estado e com os empreendedores."
ESTÍMULO À ECONOMIA Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), criou sua Secretaria de Desenvolvimento há dois anos. O principal foco da pasta tem sido formalizar negócios locais, dar apoio às micro e pequenas empresas – base da economia – e atrair investimentos especialmente na área de turismo. Essas metas só tomaram corpo na cidade após a criação do órgão de fomento. "Este ano tínhamos o objetivo de formalizar 80 negócios em três meses. Superamos o esperado: no prazo foram criados 84 CNPJs", informa a secretária Marilda Portela. Ela diz que as compras municipais estão crescendo na cidade e que isso está estimulando a economia. "Inauguramos a sala do empreendedor, e em parceria com o Sebrae estamos capacitando 240 empresários."
O presidente do Instituto de Política Econômica Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann, compara a política de desenvolvimento econômico a um fermento de crescimento. "Ainda falta aos municípios assumir a responsabilidade de planejar sua expansão econômica com medidas locais de estímulo à economia. É preciso combinar a maior renda da população com a atração de empresas e investimentos."
Enquanto isso...
...qualificação como saída
A Associação Mineira dos Municípios (AMM), o Sebrae-MG e a Fundação João Pinheiro (FJP) vão investir R$ 10 milhões na qualificação de 2,5 mil gestores em 843 municípios mineiros, fomentando o desenvolvimento local, a formação de empreendedores, a criação de arranjos produtivos e estimulando o poder público a fazer compras nos próprios municípios. "O convênio foi assinado em maio e deverá começar a ser colocado em prática no segundo semestre", diz Ângelo Roncalli, presidente da associação.
Personagens da notícia
Márcia Cristina Souza e Charlton Pinheiro
De autônomos a microempresários
Depois de 25 anos trabalhando como paisagista autônoma, Márcia Cristina Souza prepara-se para virar microempresária. Moradora de Santa Luzia, ela tomou a decisão movida pela política de crescimento da cidade, iniciada pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico. O órgão público firmou parceria com o Sebrae e tem estimulado negócios promissores como o dela. Com o sócio Charlton Pinheiro, Márcia vai montar um espaço que reúne arquitetura e paisagismo. A dupla foi fisgada pela ideia de fazer crescer o negócio e a carteira de clientes, além de se tornarem fornecedores da prefeitura. "Vamos investir não só na flora e em projetos de paisagismo para a cidade, que hoje contrata empresas de fora. Também vamos treinar pessoal para a prefeitura." Animados com o espaço, no qual investirão cerca de R$ 100 mil, os empresários se preparam para começar a obra. "Já reunimos a documentação. Neste mês vamos abrir a empresa."
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