quarta-feira, 3 de abril de 2013

Entrevista: Jaques Wagner

O governador da Bahia, Jaques Wagner, do PT, diz que se inventou no Brasil uma tradição, uma "regrinha", segundo a qual, depois de dois mandatos, os governadores sem direito à reeleição precisam concorrer ao Senado. Ele não deve seguir este caminho em 2014. Seu futuro pode ser um ministério num eventual segundo governo Dilma Rousseff ou mesmo atender ao pedido da presidente e se lançar a deputado federal.

Mas tem uma "regrinha" não escrita que o governador da Bahia aponta como uma coincidência que diria muito sobre a escada política rumo à Presidência da República. Um novo candidato do governo à sucessão presidencial é sempre um ministro.

Foi assim com Itamar Franco, que elegeu seu ex-ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, em 1994. Ocorreu com o próprio FHC, cujo nome para sucedê-lo, foi seu então ministro da Saúde, José Serra, derrotado na eleição de 2002. Aconteceu também com Luiz Inácio Lula da Silva, que escolheu Dilma, sua ministra-chefe da Casa Civil, em 2010.

Foi com esta lógica que Jaques Wagner tentou demover o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, do PSB, de sair da base aliada e disputar a corrida presidencial contra o PT, no ano que vem. Numa conversa que durou longas seis horas, no fim de fevereiro, Wagner e Campos analisaram o cenário e levantaram hipóteses. O principal conselho do petista ao colega foi: costure seu projeto "por dentro". Por este plano, o governador de Pernambucano desistiria de 2014 e tentaria ser ungido o candidato da coalizão em 2018. Para isso, deveria batalhar para ser o ministro de uma Pasta forte.

Campos, como se sabe, evita depositar confiança na generosidade alheia. Mas Wagner afirma que, depois de 16 anos no poder (caso vença a eleição no próximo ano), seria natural, sim, que o PT ceda a cabeça de chapa a uma legenda parceira. "Acho que 16 anos em política é um número mágico, até porque eu ganhei do grupo do PFL [hoje DEM] quando eles completaram 16 anos [de poder na Bahia]. O PT quando completou 16 anos perdeu a Prefeitura de Porto Alegre. Tem a chamada fadiga de material", afirma Jaques Wagner.

Ao mesmo tempo, o governador reconhece que nenhum partido oferece a cabeça de chapa "graciosamente". Em entrevista exclusiva concedida ao Valor, Wagner lembra outra lógica que regeria as disputas eleitorais. "A racionalidade da política é governo e oposição". Logo, o melhor caminho para Eduardo Campos, se ele não quiser costurar sua candidatura por dentro, é se transformar num candidato de oposição. É para ela que os votos desaguarão, caso a economia vá mal, diz o governador, que reconhece ser ele próprio uma opção para a Presidência em 2018.

"Dentro do PT, se fizer uma lista de três, quatro nomes para 2018 o meu está no meio. Não é uma obsessão. Pois desejo alimenta a alma; obsessão cega. Quando vira obsessão, começa a fazer bobagem", afirma Jaques Wagner, que tem viajado pelo exterior para buscar investimentos para seu Estado, cujo PIB em 2012 foi de 3,1%, contra 0,9% do nacional. A seguir, os principais trechos da entrevista:



Valor: Como estão os investimentos na Bahia?

Jaques Wagner: Somos o terceiro investimento alemão no país, depois de São Paulo e Paraná. Isso por conta do investimento da Basf, o maior feito de uma vez só, nos cem anos da empresa no Brasil. É um investimento na cadeia acrílica no Polo Petroquímico de Camaçari, que termina no superabsorvente. Por conta disso, a Kimberly-Clark já está começando a produzir na Bahia. É a maior produtora mundial, já está programando em dezembro a começar a duplicar, por conta do mercado nordestino. Creio que eles estão com um olhar pro Nordeste, por ser a região que mais cresce. Nós mesmos [a Bahia] crescemos 3,1% contra 0,9% [do país, em 2012]. Foi o segundo no Nordeste, o Ceará cresceu 4%.

Valor: E a previsão para 2013?

Wagner: Estou fazendo a conta deste mesmo tanto. Porque a base de cálculo vai apertando. No PIB industrial nós crescemos 4,2%. Foi o maior índice do Brasil, seguido de Goiás, com 3,8%.


"O adversário mais forte de Dilma será o candidato da oposição, não sei se Eduardo vai aceitar esse lugar"


Valor: Os empresários não se queixam da regulação?

Wagner: Já me perguntaram algo semelhante. Se eu teria sentido uma queda nesta demanda. O volume do que a gente tem encaixado, implantado e por implantar ao todo representa 160 empresas. A taxa de procura é muito grande. Óbvio que as reclamações vêm, mas não junto com a desistência. Reclamam da lentidão nas licenças ambientais, de muita paralisação quando é obra pública, de infraestrutura, por conta do Ministério Público etc.

Valor: Por que o senhor acha que há um encantamento dos empresários por estas candidaturas de oposição ou nem tanto assim, como a de Eduardo Campos?

Wagner: Nenhum empresário, em qualquer lugar do mundo, gosta de um poder muito forte. Porque pode oprimir, e o Estado mandar na sociedade. Fazer o jogo do contraponto é um jogo super-sadio da democracia. Eduardo Campos é meu amigo, tive uma longa conversa com ele e não vejo nenhum problema na pretensão dele, porque o político que diz que não tem pretensão já morreu ontem. Ele não pode fazer outra coisa se não dizer que quer. O vento está batendo. Ele vai recolher a vela?

Valor: Não é arriscado?

Wagner: Se o cara tomar gosto e tiver a decisão, não tem quem segure. A mesma coisa é o empresário. Na hora em que resolve fazer um investimento, mil pessoas dizem assim: "Você está maluco, vai dar errado". O risco é próprio da atividade política e empresarial. É um cara que tem potencial, mas prefiro que ele desenvolva o potencial dentro do grupo. Muita gente tem se encantado com essa novidade porque como o candidato de oposição [o senador mineiro Aécio Neves, do PSDB] não encanta até agora, não agrega, não mostra substância, fica sem graça se não tiver contraponto.

Valor: Os empresários estão nesta corte ao Eduardo Campos para pressionar a presidente?

Wagner: Não para pressionar, mas para dizer que tem uma taxa de correção de caminho que eles gostariam. É óbvio que entre isso e concretizar uma candidatura é um longo caminho. Fui lá conversar com ele e dizer: "Você deveria tentar fazer isso por dentro". É óbvio que alguém pode dizer: "Mas o PT nunca vai abrir a possibilidade para alguém de outro partido". Não acho. Sou defensor de que o PT pense também nesta hipótese. Porque nós não podemos ser um grupo político de um partido só. Tem que admitir a prosperidade de outros parceiros. Não é agora porque ela [Dilma] carrega a legitimidade da reeleição. O tempo certo da discussão é 2018. O PT vai estar completando 16 anos no poder e 16 anos em política é um número mágico, até porque eu ganhei do grupo do PFL quando eles completaram 16 anos. O PT quando completou 16 anos perdeu a Prefeitura de Porto Alegre. Então, acho que tem a chamada fadiga de material.

Valor: Mas ele, talvez com toda razão, não acredita em acordo com quatro anos de antecedência.

Wagner: Entre os nossos aliados ele é o nome mais colocado. Tem uma longa trajetória. Ser candidato agora também não garante nada para ele [tornar-se nacionalmente conhecido e vencer] em 2018. O Ciro [Gomes, em 1998 e 2002] foi candidato, bem votado, e não prosperou. O Garotinho [em 2002] foi bem votado e não prosperou. Ele também tem este problema. Apesar de termos 30 partidos, as pessoas, querendo ou não, trabalham com o conceito governo e oposição.

Valor: Mas o PT cederia para o Campos em 2018?

Wagner: Ninguém cede o poder graciosamente. O PSDB desde que FH foi candidato em 1994 nunca cedeu lugar para o DEM para puxar a fila. Agora estão discutindo o Serra, o Alckmin, e não o Agripino [Maia, senador do DEM] ou qualquer outro nome. Ninguém oferece. Mas todos os meus aliados cresceram muito nos seis anos de governo, o PDT, o PSB, o PSD que não existia lá. Eu gosto de ter aliado forte. Aí depende da sua competência de fazer a gestão da aliança.

Valor: É possível o Eduardo Campos montar palanques com dissidentes do PSDB, a exemplo da aproximação dele com o prefeito de Manaus Arthur Virgílio?

Wagner: Na racionalidade - e a política não é só racionalidade - o grande caminho é se ele se transformar num candidato de oposição. É o jogo pra ser jogado. Óbvio que ele poder ir como terceira ou quarta via. Acho que vai ter o PT, o PSDB e a Marina [Silva], que tem um espaço próprio, numa espécie de negação da política, aliada a uma bandeira ambiental e evangélica, e teve resultado espetacular [votação de quase 20% em 2010].

Valor: Ela repete esse resultado?

Wagner: Eleição envolve muita emoção. Ela ganhou em Brasília, mas não no Estado dela [Acre].


"O problema é que Dilma é muito ciosa e quer saber de tudo antes de ir para a rua, mas é que ela tem urticária com o malfeito"


Valor: O que há de racional?

Wagner: O candidato mais forte para enfrentar a Dilma é o candidato de oposição, em tese do PSDB. Se o Eduardo vira o comandante do PSB, do PSDB, do DEM... Mas aí não sei se ele vai aceitar ou não. São decisões dele. Porque montar palanques nos Estados é outro problema. A lógica dos partidos no Estado é crescer; a lógica de quem está na campanha majoritária é ganhar. Essas duas lógicas nem sempre se combinam. Quem ganhou em São Paulo? Não foi o Russomanno [PRB]. Tinha tudo para ganhar, estava na frente, era outsider na dicotomia PT e PSDB.

Valor: Mas o senhor acha que o PSDB que governou o país duas vezes e tem oito governos estaduais abriria para o governador de um partido bem menor?

Wagner: Só se eles acharem que não tem ninguém para concorrer. Não quero fechar nenhuma porta porque tenho uma missão muito clara. Quero manter o Eduardo na aliança. Vou trabalhar por isso.

Valor: Foi esse seu objetivo nesta conversa de seis horas?

Wagner: Não tinha missão dada por ninguém. Eu, na verdade, fui lá [em Pernambuco] para um debate [em seminário] da [revista] "Carta Capital". Sentamos para uma conversa de uma hora e meia, e saí de lá, da governadoria, meia-noite e meia. Fui fazer intriga do bem. Ele é um quadro do lado de cá, tem história. Agora, é óbvio que tem que ter espaço para crescer.

Valor: O que vocês conversaram?

Wagner: De coisas pessoais até a conversa que ele tinha tido com a Dilma, que ele achou excepcional, e aí ficamos conversando sobre estas hipóteses todas. Porque ser vice não necessariamente é o caminho para ser presidente. Quem é que foi candidato do Fernando Henrique? O ministro dele da Saúde [José Serra, em 2002]. Quem é que foi a candidata do Lula? A ministra da Casa Civil. Então, me parece que é muito mais próprio para alguém que queira se projetar, fazer uma conversa, que não é agora naturalmente.

Valor: O senhor propôs essa possibilidade de ele vir a ser ministro ou foi ele que sugeriu?

Wagner: Não, isso tudo fui eu que falei. Ele ouviu e deve ter ficado refletindo.

Valor: Em que ministério seria mais apropriado?

Wagner: Não sou eu que vou escalar os ministros da Dilma. Evidentemente eu converso com ele e vou para ela [Dilma] e digo: "Olha, tive uma conversa ótima, ele adorou a sua conversa".

Valor: E por que ele adorou a conversa com a Dilma?

Wagner: Não entrei em detalhes, mas ele disse que foi uma conversa muito franca, na qual ela tocou em pontos como esse, da importância do sucesso dele, acho que foi uma coisa muito do tipo, "não tenho interesse nenhum em empurrar ninguém para fora". Ele me disse que gostou bastante da conversa. Teve o episódio da [disputa entre PT e PSB pela] Prefeitura do Recife que aí foi um show de coisas equivocadas feita por todo mundo. Então aquilo é que acendeu muito a ideia de que o Eduardo está preparando a luta contra o PT. Mas o PT está no governo dele em Pernambuco, como ele está no governo da Dilma, como eles estão no meu governo, e como devem estar em outros governos do PT.

Valor: Como se iniciaram as conversas com o Eduardo?

Wagner: Evidentemente não sou articulador político da Dilma, mas converso muito com ela. No réveillon, ela foi passar lá [na Bahia] e o chamou para almoçar. Ele foi com Renata [mulher de Campos] e eu fui com Fatinha [mulher de Wagner]. E também foi uma conversa de quatro horas, quatro horas e meia. Mas foi uma conversa em que ninguém falou de eleição de 2014. Depois, ela o chamou para uma conversa que eu diria mais política, lá no Palácio da Alvorada, entre janeiro e fevereiro. Foi a conversa que ele relatou para mim.

Valor: Mas a decisão política do Eduardo Campos de se candidatar já não está tomada?

Wagner: Ele me disse que não. Alguns acham que dessa conversa que tivemos em fevereiro para cá, a sucessão de declarações dele ou de aliados dele aponta que teria tomado uma decisão. Só ele que sabe e vai anunciar. [O encontro entre os governadores foi em 25 de fevereiro]

Valor: Ele não cresceria politicamente ao receber apoios de partidos descontentes, de empresários?

Wagner: Esse campo intermediário é fundamental, mas se chegar maio e junho, perto da época das convenções, e ele tiver 5%, 6%, 7% não é todo mundo que vai botar as suas fichas. Principalmente no mundo da política. Porque uma coisa é o comandante do partido. Outra coisa é em cada Estado e os deputados federais e estaduais que querem se reeleger e dependem de um palanque forte. Se não tiver a visualização de um palanque forte, não sei nem se terá unidade no PSB inteiro. Tem lugar em que o aliado está doido para que ele seja candidato; e tem lugar que é exatamente o contrário, em que o cara está todo encaixado numa aliança de governo e que prefere não quebrar isso. Esse é o problema.

Valor: O que falta à Dilma fazer?

Wagner: Do ponto de gestão dela seria - qualidade pode virar problema - não ser tão ciosa como ela é de cada coisa que vai acontecer no governo dela.

Valor: Por exemplo.

Wagner: De tudo, porque ela quer ver o que está acontecendo. O boi só engorda com o olho do dono. Eu diria que isso a Dilma tem até porque ela vem de ser chefe da Casa Civil. Mas é a cabeça dela. E repare que a cabeça dela vem ao encontro de tudo o que a sociedade quer. Ela tem urticária com malfeito.

Valor: Ela deve descentralizar?

Wagner: Não estou falando em descentralizar porque os ministérios existem. O problema é que ela, eu diria, quer saber, antes de ir para rua, de tudo. Agora, não é só ela, não. Temos um momento mundial e temos o Estado brasileiro. Alguém fala aqui com tranquilidade quando um órgão de controle paralisa uma obra? O [empresário Jorge] Gerdau falou comigo: deveria ser proibido parar uma obra. Quem para não é o governo federal. Quem para é Tribunal de Contas e ai do governo federal se disser que é contra. É um bom debate saber qual é o melhor ponto de equilíbrio. Porque vivemos a República da desconfiança. Todo mundo é ladrão até prova em contrário.

Valor: Na Bahia, o PMDB pode aglutinar a oposição em torno da candidatura de Geddel. Neste caso, ele pode dar um palanque para um adversário de Dilma?

Wagner: Fica meio perna quebrada. Porque se o Michel [Temer, vice-presidente da República, líder do PMDB] estiver lá de vice [na chapa], não vai ter nem o Michel no palanque dele. Não acho que isso vai acontecer. O [ACM] Neto [prefeito de Salvador] está fazendo a conta dele para 2018.

Valor: Quem é o seu candidato à sucessão?

Wagner: Por enquanto, a gente ainda não escolheu.

Valor: E o senhor, o que fará?

Wagner: Eu, quase certamente, irei até o fim do mandato.

Valor: Aí o senhor vai para o ministério.

Wagner: Primeiro, é preciso ela [Dilma] ganhar. Depois, me convidar.

Valor: O senhor tem alguma dúvida de que ela ganhando o senhor iria para o governo?

Wagner: Posso ir para um ministério ou para uma posição mais da equipe em torno dela. Ela até gostaria que eu fosse ao menos deputado federal, para ter mandato no governo. Posso até ser, mas 90% [da probabilidade] hoje é ir até o fim do governo. É que se criou essa regrinha: presidente da República acaba o segundo mandato, e acaba. Prefeito acaba o segundo mandato, e acaba. Como governador coincide com eleição para senador, aí se criou a regrinha: eleito, reeleito, senador. Tem nada a ver.

Valor: Num eventual segundo governo Dilma, como ministro, o senhor se torna, de imediato, o candidato número 1 na sucessão dela.

Wagner: Repare: hoje, dentro do PT, se fizer uma lista de três, quatro nomes para 2018 o meu nome está no meio. Mas eu acho que o caminho é pegar a segunda geração do PT e botar para começar a ocupar.

Valor: Quem é a nova geração?

Wagner: Eu falo que tem que começar a ocupar, tem o Haddad [prefeito de São Paulo], por exemplo. O meu nome está, não estou tirando da lista. Essa não é uma obsessão minha. Eu brinco: desejo alimenta a alma, obsessão cega. Quando vira obsessão começa a fazer bobagem para caramba.

Valor: Lula não poderia voltar?

Wagner: Não vejo o Lula voltando em 2018. Não tem cabimento, porque a gente tem um compromisso que a democracia brasileira não pode ser dependente de um ou de dois nomes, tem que ser cada vez mais madura. Eu acredito muito em partido político, acho que um dos problemas que a gente tem é que a gente tem poucos partidos políticos. Os dois grandes que surgiram depois da ditadura foram o PT e o PSDB.



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