Na próxima segunda-feira, comemora-se (?) a Proclamação da República, que, como se sabe, ocorreu em 15 de novembro de 1889. Faz, pois, 115 anos que, a valerem as lições da etimologia, vivemos de fato sob o sistema republicano de governo.
E o que dizem "as lições da etimologia"? Antes, talvez seja bom lembrar que a etimologia estuda a origem e a evolução histórica de uma palavra. Ela nos ensina, por exemplo, que "república" vem da expressão latina "res publica", cujo significado é "coisa pública".
O elemento latino "res" ("coisa", "bem", "propriedade", "assunto", "negócio") se encontra, por exemplo, em "reificar", verbo empregado em filosofia como sinônimo de "coisificar" ("encarar algo abstrato como uma coisa material ou concreta"; "transformar em coisa", de acordo com o dicionário "Houaiss").
Pois bem, caro leitor, sabe qual é a primeira acepção de "república" no "Aurélio"? Anote aí: "Organização política de um Estado com vista a servir à coisa pública, ao interesse comum".
E agora? Como ficam "as lições da etimologia"? Bem, se lembrarmos, por exemplo (só um, entre os milhares possíveis no Brasil de hoje, de ontem, de antes de ontem), que o presidente da República assinou uma medida provisória para dar status de ministro de Estado ao presidente do Banco Central a fim de poupá-lo de certas investigações relativas a sua vida privada, veremos que...
Veremos que não é à toa que volta e meia se encontram cones no leito carroçável diante de padarias, restaurantes, escolas, hotéis, salões de beleza etc., etc., etc. Postos por jagunços contratados pelos prepotentes donos dos estabelecimentos comerciais, esses cones têm a função de transformar em privado o que é público.
O que uma coisa (os cones) tem que ver com a outra (a medida provisória de Lula)? E o que as duas têm que ver com uma coluna que, teoricamente, se ocupa da língua, do idioma? Tudo, absoluta e rigorosamente tudo. À primeira pergunta se responde facilmente: se é verdade que "o exemplo vem de cima", não se pode esperar que, num Estado (que aqui tem o sentido de "nação politicamente organizada") em que os poderes constituídos transformam em privado o que é público, o grosso da sociedade aja diferentemente dos seus governantes.
À segunda pergunta (sobre a relação que tudo isso tem com uma coluna que se ocupa da língua) se responde com o que pregam os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), instituídos pelo Ministério da Educação. Em palavras pobres, esses parâmetros determinam que o ensino seja vinculado à realidade e que haja "diálogo" entre as disciplinas.
Um professor de história, por exemplo, não pode falar da passagem do Império para a República sem falar do que significam as palavras "império" e "república". Quando analisa um texto, um professor de português não pode ignorar os fatos políticos, históricos e sociais nele presentes.
Não sei o que você pretende fazer no feriadão, caro leitor. Seja lá o que for, lembre-se de que a folga (a que nem todos terão direito) advém da comemoração do fato de um dia termos deixado de ser um império para passarmos a uma oligarquia, epa! (ato falho), a uma república (ou republiqueta, não sei). O que é "oligarquia"? Recorramos (de novo) à etimologia: "oligo-" significa "pouco", "em pequeno número"; "-arquia" é "poder", "autoridade". É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
Fonte: Folha de SP
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