Um blog que traz informações e analisa criticamente as notícias de interesse dos xiquexiquenses. Ideal para você que não se satisfaz com o mero relato dos fatos e exige um aprofundamento sobre o que lê. Comprometido com o dever de fundamentar as conclusões a que chega, aceita como inevitável a parcialidade que deixa transparecer. Por isso está sempre aberto a críticas. Seja bem vindo. Boa leitura!
segunda-feira, 15 de abril de 2013
Um CPC democrático.
Caros e caras,
na Revista Veja que circulou neste fim de semana, o professor Antônio Cláudio da Costa Machado volta a apresentar suas críticas ao projeto de novo CPC, cujo relatório será lido na próxima quarta-feira. O ilustre professor qualifica o projeto de autoritário. Apresenta, nesta reportagem, cinco críticas.
Gostaria de apresentar uma breve resposta a cada uma delas.
1) Critica a ausência de pressupostos específicos para a concessão de medida cautelar como o arresto. A crítica, com todo o respeito, não procede. A possibilidade de concessão de medidas cautelares com base nos pressupostos genéricos da probabilidade do direito e do perigo da demora existe desde 1973 – é o conhecido poder geral de cautela (art. 798, CPC/1973). Esta cláusula geral autoriza a concessão de qualquer medida cautelar atípica, inclusive o arresto atípico – o que fez com que Galeno Lacerda dissesse, há trinta anos, que um sistema em que há poder geral de cautela torna desnecessária a especificação de pressupostos para a concessão dessa ou daquela medida cautelar. O projeto apenas preserva o poder geral de cautela.
2) Critica a ausência de recurso contra as decisões em matéria de prova. A crítica não procede, por duas razões: a) expressamente se prevê agravo de instrumento contra decisão que redistribui o ônus da prova (art. 1028, XIII, do projeto); b) as interlocutórias em matéria de prova são recorríveis na apelação (art. 1022, §2º, projeto). Atualmente, as decisões sobre prova são impugnáveis por agravo retido, que, como todos sabem, tem de ser reiterado na apelação, sob pena de não ser conhecido. O projeto exige que o interessado demonstre a sua irresignação no primeiro momento em que couber falar nos autos, por meio de mecanismo semelhante ao do “protesto” da Justiça do Trabalho – que funciona muito bem há anos e que se parece com o agravo retido, embora mais simples. Depois, cabe ao interessado reiterar a sua irresignação na apelação. Pergunto: em que esse sistema difere do atual? A decisão sobre prova é irrecorrível, na linha do que foi dito pela Revista Veja? Não, ela é recorrível no mesmo padrão em que é hoje.
3) Critica a ausência de efeito suspensivo, como regra, na apelação. O professor, no particular, deve ter examinado uma versão mais antiga do projeto: a versão que será lida na próxima quarta-feira preserva o efeito suspensivo da apelação, ressalvadas as hipóteses atualmente existentes em que ela não tem efeito suspensivo automático (art. 1025, caput e §2º, do projeto). Prevê-se, porém, a possibilidade de o relator retirar o efeito suspensivo da apelação, se o apelado demonstrar que, em razão da execução provisória da sentença, não há risco de dano irreparável ao apelante e que é improvável o acolhimento do recurso.
4) Critica a possibilidade de tutela antecipada liminar sem urgência, com base apenas em documento suficiente. A crítica, no particular, é simplesmente equivocada. O projeto traz apenas duas hipóteses de tutela antecipada liminar sem urgência (tutela antecipada da evidência: art. 306, par. ún., do projeto): a) no caso de ação de depósito (repetindo regra que já existe atualmente, decorrente do art. 902, I, CPC/1973, vigente há quase quarenta anos); b) nos casos em que há pedido cujo lastro fático se comprova documentalmente e a tese jurídica afirmada está consolidada em súmula vinculante ou julgamento de casos repetitivos: esta hipótese, embora nova, é totalmente razoável, já que a evidência do direito é, no caso, manifesta.
5) Critica, ainda, a restrição à liminar possessória nos casos de litígios coletivos de posse. No caso, a reportagem simplesmente não explicou a medida, tornando a crítica meramente ideológica. Vou tentar explicar a regra proposta. Atualmente, o possuidor, para ter direito a uma liminar possessória em que se dispensa a demonstração de urgência, precisa ingressar com sua ação possessória em até um ano da turbação ou do esbulho afirmado na petição inicial – regra bem antiga. O projeto mantém a regra, para os casos de conflitos possessórios individuais (Tício contra Caio). Quando a possessória disser respeito a litígio coletivo, propõe o projeto que, para ter direito ao mencionado benefício, o possuidor ingresse com a possessória no prazo de seis meses, contados da data da turbação ou do esbulho afirmado na petição inicial. Se propuser a ação depois deste prazo, antes de examinar o pedido de tutela antecipada, o juiz marcará uma audiência de mediação (art. 579 do projeto). Não se nega a tutela antecipada, mas, tendo em vista a existência de uma coletividade no polo passivo, e o prazo superior a seis meses da turbação ou do esbulho, entende-se que, então, é o caso de ouvi-la, a coletividade, antes da concessão da tutela antecipada. A regra é bem razoável: não se pode querer dar o mesmo tratamento a conflitos possessórios tão diferentes como o individual e o coletivo. Note que, se o possuidor ingressar com a ação possessória em menos de seis meses, terá direito à mesma tradicional liminar possessória sem urgência. De todo modo, pode-se acusar a regra de tudo, menos de autoritária.
O projeto pode ser bom ou ruim.
O que não é correto é acusá-lo de autoritário.
Nunca se debateu tanto um CPC – nossos dois únicos foram produzidos em períodos de exceção, sem debate, foram Códigos outorgados. Eu testemunhei este debate; o Brasil falou e foi ouvido. Mais de mil alterações foram feitas na versão que veio do Senado. Novecentas emendas parlamentares foram apresentadas; mais de trezentas pessoas foram ouvidas em audiências públicas; todas as entidades de classe e associações que apresentaram sugestões foram atendidas, escutadas e, quase sempre, ao menos um dos pleitos foi atendido; professores de todo o Brasil foram escutados – sem protagonismo de qualquer Região. O próprio professor Antônio Cláudio teve várias propostas acolhidas – muitas delas encampadas por alguns deputados, inclusive. Na Comissão de Juristas que auxiliou a Câmara dos Deputados, havia um baiano, um sulmatogrossensse, um pernambucano, um paulistano, um gaúcho, um paraibano e um carioca.
Este será um código sem sotaque.
Jamais, em nossa história, se viu um projeto de lei que atribuísse ao magistrado tantos deveres: a) dever de respeitar a jurisprudência e mantê-la estável (arts. 520-521 do projeto); b) dever de prevenir as partes sobre defeitos processuais, evitando, com isso, decisões de inadmissibilidade mesquinhas e desnecessárias (arts. 76, 322, 945, par. ún., 1023, § 3º, 1030, §3º, 1042, §2º); c) dever de ouvir as partes sobre qualquer ponto relevante para a sua decisão, mesmo que se trate de ponto a respeito do qual poderia conhecer de ofício – versão substancial do contraditório (art. 10 do projeto); d) dever de dar publicidade ao comparecimento informal do advogado ou de qualquer das partes ao seu gabinete (art. 190 do projeto).
Transcrevo os §§1º e 2º do art. 499, o mais belo conjunto de dispositivos do projeto: “§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I – se limita a indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo; II – empregue conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III – invoque motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V – se limita a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. § 2º No caso de colisão entre normas, o órgão jurisdicional deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada”.
Esses são dispositivos de um código autoritário?
O projeto resgata, ainda, o protagonismo das partes no processo, dando à autonomia privada um papel no processo civil brasileiro jamais visto: a) prestigia-se a arbitragem (art. 3º, §1º; arts. 345-350 do projeto); b) a autocomposição é extremamente valorizada (art. 3º, §2º; arts. 166-176 do projeto); c) permitem-se acordos de procedimento atípicos (art. 191 do projeto), cláusula geral de autonomia privada processual inédita no direito brasileiro; d) aprimora-se a convenção sobre o ônus da prova (art. 380, §3º, do projeto); e) permite-se a escolha consensual do perito pelas partes (art. 478 do projeto); f) cria-se o negócio processual típico chamado “acordo de saneamento”, permitindo que as partes, principais conhecedoras da causa, levem o processo saneado ao órgão jurisdicional (art. 364, §2º, do projeto).
Tudo isso sem falar no regramento minucioso do benefício da justiça gratuita (arts. 98-102 do projeto) e nas regras de fungibilidade recíproca entre os recursos extraordinário e especial, em enfrentamento direto de importante manifestação da jurisprudência defensiva dos tribunais superiores (arts. 1045-1046 do projeto).
Este Código, no futuro, será inevitavelmente apelidado de “Código das Partes”. Basta lê-lo sem pré-compreensões, que isso se revela com muita clareza.
Não é fácil elaborar um código em regime democrático. Como podem opinar, todos sempre terão algo para divergir e criticar. O projeto não pode ser chamado de autoritário porque não se concorda com alguns de seus dispositivos – que são, por óbvio, opções políticas construídas pelo debate parlamentar. Eu mesmo tenho as minhas críticas: há muita coisa que eu não colocaria no projeto. Mas isso é bom; melhor: é fundamental. O simples fato de que ninguém está totalmente satisfeito é o quanto basta para demonstrar que este projeto é resultado de um processo legislativo democrático.
Como não estamos acostumados com isso, não sabemos reconhecer essa grande qualidade.
Em 14.04.2013.
Fredie Didier Jr. - Professor de Processo Civil da Universidade Federal da Bahia, Livre-docente pela USP.
quinta-feira, 4 de abril de 2013
Joelma e Daniela Mercury são as duas caras da cultura brasileira
As duas vêm da metade norte do país e fazem música com forte apelo
popular. Esbanjam energia no palco, usam roupas provocantes e estão
sempre sorridentes. No entanto, mesmo com tantas semelhanças, neste
momento estão a anos-luz uma da outra.
Bem-vindos à versão brasileira da guerra cultural. O termo foi cunhado nos Estados Unidos nos anos 80 e descreve a divisão da sociedade em relação a assuntos como aborto, contracepção, drogas e homossexualidade (cultura aqui tem um sentido mais amplo, não se limitando apenas à arte e à educação).
De um lado, conservadores brandindo Bíblias e anunciando o fim dos tempos; do outro, liberais (no sentido americano) pregando o "liberou geral". A guerra cultural foi usada como arma pelos dois lados, e serviu para definir o resultado de inúmeras eleições por lá.
Mas não aqui no Brasil. Apesar das enormes diferenças sociais, aqui sempre nos orgulhamos de sermos um povo só. Além do mais, temas polêmicos eram rapidamente descartados do debate político: afinal, temos mais com que nos preocupar, como a miséria, a falta de infraestrutura e a corrupção.
Isto mudou de uns anos para cá. De uma hora para outra, liberação do aborto e aprovação do casamento gay se tornaram assuntos de campanha eleitoral. E o Brasil se revelou um país muito mais dividido do que se supunha antes.
A guerra cultural se instalou entre nós, e agora atinge também a cultura no sentido estrito.
O fenômeno se excarcerou esta semana, depois da entrevista de Joelma à revista "Época". Não foi a primeira vez que a cantora soltou declarações homofóbicas, só para em seguida dizer que ama os gays e não tem nada contra eles.
Claro que tem. Joelma, como muitos brasileiros, acha que homofobia é pregar a violência contra os homossexuais, e mais nada. Basta o sujeito não sair de lâmpada na mão pelas ruas para não ser considerado preconceituoso: o resto é só "liberdade de expressão".
As posições de Joelma causaram um maremoto nas redes sociais. Tão forte que a cantora precisou gravar um vídeo tentando se explicar, mas só conseguiu se enrolar ainda mais.
E então surgiu a notícia de que o filme sobre a banda Calypso estaria cancelado, devido à dificuldade em conseguir patrocínio. O diretor nega, mas o fato é que o projeto já não estava conseguindo captar a grana necessária antes desse bafafá. Agora, então, duvido que algum grande anunciante queira associar sua marca ao nome da banda.
A poeira ainda estava no ar quando Daniela Mercury publicou as fotos com sua esposa no Instagram. Nova comoção na internet, com muita gente aplaudindo a coragem da cantora baiana e outros tanto vaiando-a.
Daniela vem se juntar a um time que já conta com Fernanda Montenegro, Chico Buarque, Xuxa, Caetano Veloso, Wagner Moura e muitos outros. Enquanto isto, nenhum nome de peso saiu em defesa de Joelma.
Essa briga está só começando, e muita água ainda vai rolar. Se nos mirarmos no exemplo dos Estados Unidos, temos alguns anos de guerra cultural pela frente. Que, por lá, já está praticamente decidida: adivinha quem venceu?
Fonte: Folha de São Paulo - Coluna de Tony Goes
Bem-vindos à versão brasileira da guerra cultural. O termo foi cunhado nos Estados Unidos nos anos 80 e descreve a divisão da sociedade em relação a assuntos como aborto, contracepção, drogas e homossexualidade (cultura aqui tem um sentido mais amplo, não se limitando apenas à arte e à educação).
De um lado, conservadores brandindo Bíblias e anunciando o fim dos tempos; do outro, liberais (no sentido americano) pregando o "liberou geral". A guerra cultural foi usada como arma pelos dois lados, e serviu para definir o resultado de inúmeras eleições por lá.
Mas não aqui no Brasil. Apesar das enormes diferenças sociais, aqui sempre nos orgulhamos de sermos um povo só. Além do mais, temas polêmicos eram rapidamente descartados do debate político: afinal, temos mais com que nos preocupar, como a miséria, a falta de infraestrutura e a corrupção.
Isto mudou de uns anos para cá. De uma hora para outra, liberação do aborto e aprovação do casamento gay se tornaram assuntos de campanha eleitoral. E o Brasil se revelou um país muito mais dividido do que se supunha antes.
A guerra cultural se instalou entre nós, e agora atinge também a cultura no sentido estrito.
O fenômeno se excarcerou esta semana, depois da entrevista de Joelma à revista "Época". Não foi a primeira vez que a cantora soltou declarações homofóbicas, só para em seguida dizer que ama os gays e não tem nada contra eles.
Claro que tem. Joelma, como muitos brasileiros, acha que homofobia é pregar a violência contra os homossexuais, e mais nada. Basta o sujeito não sair de lâmpada na mão pelas ruas para não ser considerado preconceituoso: o resto é só "liberdade de expressão".
As posições de Joelma causaram um maremoto nas redes sociais. Tão forte que a cantora precisou gravar um vídeo tentando se explicar, mas só conseguiu se enrolar ainda mais.
E então surgiu a notícia de que o filme sobre a banda Calypso estaria cancelado, devido à dificuldade em conseguir patrocínio. O diretor nega, mas o fato é que o projeto já não estava conseguindo captar a grana necessária antes desse bafafá. Agora, então, duvido que algum grande anunciante queira associar sua marca ao nome da banda.
A poeira ainda estava no ar quando Daniela Mercury publicou as fotos com sua esposa no Instagram. Nova comoção na internet, com muita gente aplaudindo a coragem da cantora baiana e outros tanto vaiando-a.
Daniela vem se juntar a um time que já conta com Fernanda Montenegro, Chico Buarque, Xuxa, Caetano Veloso, Wagner Moura e muitos outros. Enquanto isto, nenhum nome de peso saiu em defesa de Joelma.
Essa briga está só começando, e muita água ainda vai rolar. Se nos mirarmos no exemplo dos Estados Unidos, temos alguns anos de guerra cultural pela frente. Que, por lá, já está praticamente decidida: adivinha quem venceu?
Fonte: Folha de São Paulo - Coluna de Tony Goes
quarta-feira, 3 de abril de 2013
Conscientização do Autismo
Se você sente fome, frio ou dor e precisa de ajuda, o que fazer? Imagine você impossibilitado de dizer o que quer, o que precisa? Se conseguiu imaginar, então entendeu um pequeno fragmento do mundo de uma pessoa com autismo.
“O autismo me prendeu dentro de um corpo que não posso controlar”, disse Carly Fleishmann. A menina canadense quebrou uma espécie de barreira invisível e descobriu, aos 10 anos de idade, como mostrar aos pais o que queria. Mesmo sem ter aprendido a escrever, Carly encontrou no teclado de um computador a voz que lhe faltava.
Os comportamentos típicos do autismo continuavam, entre eles gritar, balançar os braços violentamente e realizar movimentos repetitivos. No entanto, esse comportamento passou a ter uma explicação: “Se não fizer isso, parece que meu corpo vai explodir. Se pudesse parar, eu pararia, mas não há como desligar. Sei o que é certo e errado, mas é como se estivesse travando uma luta contra o meu cérebro”, disse.
Carly aplicou conhecimentos absorvidos ao longo dos anos e escreveu as primeiras palavras. Desde então, foi estimulada por seus pais a digitar o que sentia. Assim, a menina mostrou à sociedade que os autistas não vivem em um universo particular, construído para isolá-los do mundo.
“O autismo me prendeu dentro de um corpo que não posso controlar”, disse Carly Fleishmann. A menina canadense quebrou uma espécie de barreira invisível e descobriu, aos 10 anos de idade, como mostrar aos pais o que queria. Mesmo sem ter aprendido a escrever, Carly encontrou no teclado de um computador a voz que lhe faltava.
Os comportamentos típicos do autismo continuavam, entre eles gritar, balançar os braços violentamente e realizar movimentos repetitivos. No entanto, esse comportamento passou a ter uma explicação: “Se não fizer isso, parece que meu corpo vai explodir. Se pudesse parar, eu pararia, mas não há como desligar. Sei o que é certo e errado, mas é como se estivesse travando uma luta contra o meu cérebro”, disse.
Carly aplicou conhecimentos absorvidos ao longo dos anos e escreveu as primeiras palavras. Desde então, foi estimulada por seus pais a digitar o que sentia. Assim, a menina mostrou à sociedade que os autistas não vivem em um universo particular, construído para isolá-los do mundo.
Eles apenas precisam reagir de certa forma para se concentrar ou controlar uma intensa atividade cerebral. “Eu gostaria de ir à escola como as outras crianças, mas sem que me achassem estranha quando eu começasse a bater na mesa ou gritar. Eu gostaria de algo que apagasse o fogo”.
Ontem (2), Dia Mundial de Conscientização do Autismo, a Agência Brasil apresentou uma série de matérias sobre o tema. O autismo é uma condição encontrada em 20 de cada 10 mil nascidos. Manifesta-se antes dos 3 anos de idade e sua causa ainda não é clara, muito embora fatores genéticos sejam considerados sua principal origem.
Ontem (2), Dia Mundial de Conscientização do Autismo, a Agência Brasil apresentou uma série de matérias sobre o tema. O autismo é uma condição encontrada em 20 de cada 10 mil nascidos. Manifesta-se antes dos 3 anos de idade e sua causa ainda não é clara, muito embora fatores genéticos sejam considerados sua principal origem.
O diagnóstico é feito a partir da observação do comportamento da criança. Normalmente, os pais detectam algum traço de indiferença ou isolamento excessivos. Resistência ao aprendizado e às mudanças de rotina, uso de objetos de forma incomum, inexistência de medo em situações potencialmente perigosas, agressividade e hiperatividade são alguns sintomas de autismo.
Fonte: Agência Brasil
Entrevista: Jaques Wagner
O governador da Bahia, Jaques Wagner, do PT, diz que se inventou no Brasil uma tradição, uma "regrinha", segundo a qual, depois de dois mandatos, os governadores sem direito à reeleição precisam concorrer ao Senado. Ele não deve seguir este caminho em 2014. Seu futuro pode ser um ministério num eventual segundo governo Dilma Rousseff ou mesmo atender ao pedido da presidente e se lançar a deputado federal.
Mas tem uma "regrinha" não escrita que o governador da Bahia aponta como uma coincidência que diria muito sobre a escada política rumo à Presidência da República. Um novo candidato do governo à sucessão presidencial é sempre um ministro.
Foi assim com Itamar Franco, que elegeu seu ex-ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, em 1994. Ocorreu com o próprio FHC, cujo nome para sucedê-lo, foi seu então ministro da Saúde, José Serra, derrotado na eleição de 2002. Aconteceu também com Luiz Inácio Lula da Silva, que escolheu Dilma, sua ministra-chefe da Casa Civil, em 2010.
Foi com esta lógica que Jaques Wagner tentou demover o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, do PSB, de sair da base aliada e disputar a corrida presidencial contra o PT, no ano que vem. Numa conversa que durou longas seis horas, no fim de fevereiro, Wagner e Campos analisaram o cenário e levantaram hipóteses. O principal conselho do petista ao colega foi: costure seu projeto "por dentro". Por este plano, o governador de Pernambucano desistiria de 2014 e tentaria ser ungido o candidato da coalizão em 2018. Para isso, deveria batalhar para ser o ministro de uma Pasta forte.
Campos, como se sabe, evita depositar confiança na generosidade alheia. Mas Wagner afirma que, depois de 16 anos no poder (caso vença a eleição no próximo ano), seria natural, sim, que o PT ceda a cabeça de chapa a uma legenda parceira. "Acho que 16 anos em política é um número mágico, até porque eu ganhei do grupo do PFL [hoje DEM] quando eles completaram 16 anos [de poder na Bahia]. O PT quando completou 16 anos perdeu a Prefeitura de Porto Alegre. Tem a chamada fadiga de material", afirma Jaques Wagner.
Ao mesmo tempo, o governador reconhece que nenhum partido oferece a cabeça de chapa "graciosamente". Em entrevista exclusiva concedida ao Valor, Wagner lembra outra lógica que regeria as disputas eleitorais. "A racionalidade da política é governo e oposição". Logo, o melhor caminho para Eduardo Campos, se ele não quiser costurar sua candidatura por dentro, é se transformar num candidato de oposição. É para ela que os votos desaguarão, caso a economia vá mal, diz o governador, que reconhece ser ele próprio uma opção para a Presidência em 2018.
"Dentro do PT, se fizer uma lista de três, quatro nomes para 2018 o meu está no meio. Não é uma obsessão. Pois desejo alimenta a alma; obsessão cega. Quando vira obsessão, começa a fazer bobagem", afirma Jaques Wagner, que tem viajado pelo exterior para buscar investimentos para seu Estado, cujo PIB em 2012 foi de 3,1%, contra 0,9% do nacional. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: Como estão os investimentos na Bahia?
Jaques Wagner: Somos o terceiro investimento alemão no país, depois de São Paulo e Paraná. Isso por conta do investimento da Basf, o maior feito de uma vez só, nos cem anos da empresa no Brasil. É um investimento na cadeia acrílica no Polo Petroquímico de Camaçari, que termina no superabsorvente. Por conta disso, a Kimberly-Clark já está começando a produzir na Bahia. É a maior produtora mundial, já está programando em dezembro a começar a duplicar, por conta do mercado nordestino. Creio que eles estão com um olhar pro Nordeste, por ser a região que mais cresce. Nós mesmos [a Bahia] crescemos 3,1% contra 0,9% [do país, em 2012]. Foi o segundo no Nordeste, o Ceará cresceu 4%.
Valor: E a previsão para 2013?
Wagner: Estou fazendo a conta deste mesmo tanto. Porque a base de cálculo vai apertando. No PIB industrial nós crescemos 4,2%. Foi o maior índice do Brasil, seguido de Goiás, com 3,8%.
"O adversário mais forte de Dilma será o candidato da oposição, não sei se Eduardo vai aceitar esse lugar"
Valor: Os empresários não se queixam da regulação?
Wagner: Já me perguntaram algo semelhante. Se eu teria sentido uma queda nesta demanda. O volume do que a gente tem encaixado, implantado e por implantar ao todo representa 160 empresas. A taxa de procura é muito grande. Óbvio que as reclamações vêm, mas não junto com a desistência. Reclamam da lentidão nas licenças ambientais, de muita paralisação quando é obra pública, de infraestrutura, por conta do Ministério Público etc.
Valor: Por que o senhor acha que há um encantamento dos empresários por estas candidaturas de oposição ou nem tanto assim, como a de Eduardo Campos?
Wagner: Nenhum empresário, em qualquer lugar do mundo, gosta de um poder muito forte. Porque pode oprimir, e o Estado mandar na sociedade. Fazer o jogo do contraponto é um jogo super-sadio da democracia. Eduardo Campos é meu amigo, tive uma longa conversa com ele e não vejo nenhum problema na pretensão dele, porque o político que diz que não tem pretensão já morreu ontem. Ele não pode fazer outra coisa se não dizer que quer. O vento está batendo. Ele vai recolher a vela?
Valor: Não é arriscado?
Wagner: Se o cara tomar gosto e tiver a decisão, não tem quem segure. A mesma coisa é o empresário. Na hora em que resolve fazer um investimento, mil pessoas dizem assim: "Você está maluco, vai dar errado". O risco é próprio da atividade política e empresarial. É um cara que tem potencial, mas prefiro que ele desenvolva o potencial dentro do grupo. Muita gente tem se encantado com essa novidade porque como o candidato de oposição [o senador mineiro Aécio Neves, do PSDB] não encanta até agora, não agrega, não mostra substância, fica sem graça se não tiver contraponto.
Valor: Os empresários estão nesta corte ao Eduardo Campos para pressionar a presidente?
Wagner: Não para pressionar, mas para dizer que tem uma taxa de correção de caminho que eles gostariam. É óbvio que entre isso e concretizar uma candidatura é um longo caminho. Fui lá conversar com ele e dizer: "Você deveria tentar fazer isso por dentro". É óbvio que alguém pode dizer: "Mas o PT nunca vai abrir a possibilidade para alguém de outro partido". Não acho. Sou defensor de que o PT pense também nesta hipótese. Porque nós não podemos ser um grupo político de um partido só. Tem que admitir a prosperidade de outros parceiros. Não é agora porque ela [Dilma] carrega a legitimidade da reeleição. O tempo certo da discussão é 2018. O PT vai estar completando 16 anos no poder e 16 anos em política é um número mágico, até porque eu ganhei do grupo do PFL quando eles completaram 16 anos. O PT quando completou 16 anos perdeu a Prefeitura de Porto Alegre. Então, acho que tem a chamada fadiga de material.
Valor: Mas ele, talvez com toda razão, não acredita em acordo com quatro anos de antecedência.
Wagner: Entre os nossos aliados ele é o nome mais colocado. Tem uma longa trajetória. Ser candidato agora também não garante nada para ele [tornar-se nacionalmente conhecido e vencer] em 2018. O Ciro [Gomes, em 1998 e 2002] foi candidato, bem votado, e não prosperou. O Garotinho [em 2002] foi bem votado e não prosperou. Ele também tem este problema. Apesar de termos 30 partidos, as pessoas, querendo ou não, trabalham com o conceito governo e oposição.
Valor: Mas o PT cederia para o Campos em 2018?
Wagner: Ninguém cede o poder graciosamente. O PSDB desde que FH foi candidato em 1994 nunca cedeu lugar para o DEM para puxar a fila. Agora estão discutindo o Serra, o Alckmin, e não o Agripino [Maia, senador do DEM] ou qualquer outro nome. Ninguém oferece. Mas todos os meus aliados cresceram muito nos seis anos de governo, o PDT, o PSB, o PSD que não existia lá. Eu gosto de ter aliado forte. Aí depende da sua competência de fazer a gestão da aliança.
Valor: É possível o Eduardo Campos montar palanques com dissidentes do PSDB, a exemplo da aproximação dele com o prefeito de Manaus Arthur Virgílio?
Wagner: Na racionalidade - e a política não é só racionalidade - o grande caminho é se ele se transformar num candidato de oposição. É o jogo pra ser jogado. Óbvio que ele poder ir como terceira ou quarta via. Acho que vai ter o PT, o PSDB e a Marina [Silva], que tem um espaço próprio, numa espécie de negação da política, aliada a uma bandeira ambiental e evangélica, e teve resultado espetacular [votação de quase 20% em 2010].
Valor: Ela repete esse resultado?
Wagner: Eleição envolve muita emoção. Ela ganhou em Brasília, mas não no Estado dela [Acre].
"O problema é que Dilma é muito ciosa e quer saber de tudo antes de ir para a rua, mas é que ela tem urticária com o malfeito"
Valor: O que há de racional?
Wagner: O candidato mais forte para enfrentar a Dilma é o candidato de oposição, em tese do PSDB. Se o Eduardo vira o comandante do PSB, do PSDB, do DEM... Mas aí não sei se ele vai aceitar ou não. São decisões dele. Porque montar palanques nos Estados é outro problema. A lógica dos partidos no Estado é crescer; a lógica de quem está na campanha majoritária é ganhar. Essas duas lógicas nem sempre se combinam. Quem ganhou em São Paulo? Não foi o Russomanno [PRB]. Tinha tudo para ganhar, estava na frente, era outsider na dicotomia PT e PSDB.
Valor: Mas o senhor acha que o PSDB que governou o país duas vezes e tem oito governos estaduais abriria para o governador de um partido bem menor?
Wagner: Só se eles acharem que não tem ninguém para concorrer. Não quero fechar nenhuma porta porque tenho uma missão muito clara. Quero manter o Eduardo na aliança. Vou trabalhar por isso.
Valor: Foi esse seu objetivo nesta conversa de seis horas?
Wagner: Não tinha missão dada por ninguém. Eu, na verdade, fui lá [em Pernambuco] para um debate [em seminário] da [revista] "Carta Capital". Sentamos para uma conversa de uma hora e meia, e saí de lá, da governadoria, meia-noite e meia. Fui fazer intriga do bem. Ele é um quadro do lado de cá, tem história. Agora, é óbvio que tem que ter espaço para crescer.
Valor: O que vocês conversaram?
Wagner: De coisas pessoais até a conversa que ele tinha tido com a Dilma, que ele achou excepcional, e aí ficamos conversando sobre estas hipóteses todas. Porque ser vice não necessariamente é o caminho para ser presidente. Quem é que foi candidato do Fernando Henrique? O ministro dele da Saúde [José Serra, em 2002]. Quem é que foi a candidata do Lula? A ministra da Casa Civil. Então, me parece que é muito mais próprio para alguém que queira se projetar, fazer uma conversa, que não é agora naturalmente.
Valor: O senhor propôs essa possibilidade de ele vir a ser ministro ou foi ele que sugeriu?
Wagner: Não, isso tudo fui eu que falei. Ele ouviu e deve ter ficado refletindo.
Valor: Em que ministério seria mais apropriado?
Wagner: Não sou eu que vou escalar os ministros da Dilma. Evidentemente eu converso com ele e vou para ela [Dilma] e digo: "Olha, tive uma conversa ótima, ele adorou a sua conversa".
Valor: E por que ele adorou a conversa com a Dilma?
Wagner: Não entrei em detalhes, mas ele disse que foi uma conversa muito franca, na qual ela tocou em pontos como esse, da importância do sucesso dele, acho que foi uma coisa muito do tipo, "não tenho interesse nenhum em empurrar ninguém para fora". Ele me disse que gostou bastante da conversa. Teve o episódio da [disputa entre PT e PSB pela] Prefeitura do Recife que aí foi um show de coisas equivocadas feita por todo mundo. Então aquilo é que acendeu muito a ideia de que o Eduardo está preparando a luta contra o PT. Mas o PT está no governo dele em Pernambuco, como ele está no governo da Dilma, como eles estão no meu governo, e como devem estar em outros governos do PT.
Valor: Como se iniciaram as conversas com o Eduardo?
Wagner: Evidentemente não sou articulador político da Dilma, mas converso muito com ela. No réveillon, ela foi passar lá [na Bahia] e o chamou para almoçar. Ele foi com Renata [mulher de Campos] e eu fui com Fatinha [mulher de Wagner]. E também foi uma conversa de quatro horas, quatro horas e meia. Mas foi uma conversa em que ninguém falou de eleição de 2014. Depois, ela o chamou para uma conversa que eu diria mais política, lá no Palácio da Alvorada, entre janeiro e fevereiro. Foi a conversa que ele relatou para mim.
Valor: Mas a decisão política do Eduardo Campos de se candidatar já não está tomada?
Wagner: Ele me disse que não. Alguns acham que dessa conversa que tivemos em fevereiro para cá, a sucessão de declarações dele ou de aliados dele aponta que teria tomado uma decisão. Só ele que sabe e vai anunciar. [O encontro entre os governadores foi em 25 de fevereiro]
Valor: Ele não cresceria politicamente ao receber apoios de partidos descontentes, de empresários?
Wagner: Esse campo intermediário é fundamental, mas se chegar maio e junho, perto da época das convenções, e ele tiver 5%, 6%, 7% não é todo mundo que vai botar as suas fichas. Principalmente no mundo da política. Porque uma coisa é o comandante do partido. Outra coisa é em cada Estado e os deputados federais e estaduais que querem se reeleger e dependem de um palanque forte. Se não tiver a visualização de um palanque forte, não sei nem se terá unidade no PSB inteiro. Tem lugar em que o aliado está doido para que ele seja candidato; e tem lugar que é exatamente o contrário, em que o cara está todo encaixado numa aliança de governo e que prefere não quebrar isso. Esse é o problema.
Valor: O que falta à Dilma fazer?
Wagner: Do ponto de gestão dela seria - qualidade pode virar problema - não ser tão ciosa como ela é de cada coisa que vai acontecer no governo dela.
Valor: Por exemplo.
Wagner: De tudo, porque ela quer ver o que está acontecendo. O boi só engorda com o olho do dono. Eu diria que isso a Dilma tem até porque ela vem de ser chefe da Casa Civil. Mas é a cabeça dela. E repare que a cabeça dela vem ao encontro de tudo o que a sociedade quer. Ela tem urticária com malfeito.
Valor: Ela deve descentralizar?
Wagner: Não estou falando em descentralizar porque os ministérios existem. O problema é que ela, eu diria, quer saber, antes de ir para rua, de tudo. Agora, não é só ela, não. Temos um momento mundial e temos o Estado brasileiro. Alguém fala aqui com tranquilidade quando um órgão de controle paralisa uma obra? O [empresário Jorge] Gerdau falou comigo: deveria ser proibido parar uma obra. Quem para não é o governo federal. Quem para é Tribunal de Contas e ai do governo federal se disser que é contra. É um bom debate saber qual é o melhor ponto de equilíbrio. Porque vivemos a República da desconfiança. Todo mundo é ladrão até prova em contrário.
Valor: Na Bahia, o PMDB pode aglutinar a oposição em torno da candidatura de Geddel. Neste caso, ele pode dar um palanque para um adversário de Dilma?
Wagner: Fica meio perna quebrada. Porque se o Michel [Temer, vice-presidente da República, líder do PMDB] estiver lá de vice [na chapa], não vai ter nem o Michel no palanque dele. Não acho que isso vai acontecer. O [ACM] Neto [prefeito de Salvador] está fazendo a conta dele para 2018.
Valor: Quem é o seu candidato à sucessão?
Wagner: Por enquanto, a gente ainda não escolheu.
Valor: E o senhor, o que fará?
Wagner: Eu, quase certamente, irei até o fim do mandato.
Valor: Aí o senhor vai para o ministério.
Wagner: Primeiro, é preciso ela [Dilma] ganhar. Depois, me convidar.
Valor: O senhor tem alguma dúvida de que ela ganhando o senhor iria para o governo?
Wagner: Posso ir para um ministério ou para uma posição mais da equipe em torno dela. Ela até gostaria que eu fosse ao menos deputado federal, para ter mandato no governo. Posso até ser, mas 90% [da probabilidade] hoje é ir até o fim do governo. É que se criou essa regrinha: presidente da República acaba o segundo mandato, e acaba. Prefeito acaba o segundo mandato, e acaba. Como governador coincide com eleição para senador, aí se criou a regrinha: eleito, reeleito, senador. Tem nada a ver.
Valor: Num eventual segundo governo Dilma, como ministro, o senhor se torna, de imediato, o candidato número 1 na sucessão dela.
Wagner: Repare: hoje, dentro do PT, se fizer uma lista de três, quatro nomes para 2018 o meu nome está no meio. Mas eu acho que o caminho é pegar a segunda geração do PT e botar para começar a ocupar.
Valor: Quem é a nova geração?
Wagner: Eu falo que tem que começar a ocupar, tem o Haddad [prefeito de São Paulo], por exemplo. O meu nome está, não estou tirando da lista. Essa não é uma obsessão minha. Eu brinco: desejo alimenta a alma, obsessão cega. Quando vira obsessão começa a fazer bobagem para caramba.
Valor: Lula não poderia voltar?
Wagner: Não vejo o Lula voltando em 2018. Não tem cabimento, porque a gente tem um compromisso que a democracia brasileira não pode ser dependente de um ou de dois nomes, tem que ser cada vez mais madura. Eu acredito muito em partido político, acho que um dos problemas que a gente tem é que a gente tem poucos partidos políticos. Os dois grandes que surgiram depois da ditadura foram o PT e o PSDB.
© 2000 – 2012. Todos os direitos reservados ao Valor Econômico S.A.
Mas tem uma "regrinha" não escrita que o governador da Bahia aponta como uma coincidência que diria muito sobre a escada política rumo à Presidência da República. Um novo candidato do governo à sucessão presidencial é sempre um ministro.
Foi assim com Itamar Franco, que elegeu seu ex-ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, em 1994. Ocorreu com o próprio FHC, cujo nome para sucedê-lo, foi seu então ministro da Saúde, José Serra, derrotado na eleição de 2002. Aconteceu também com Luiz Inácio Lula da Silva, que escolheu Dilma, sua ministra-chefe da Casa Civil, em 2010.
Foi com esta lógica que Jaques Wagner tentou demover o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, do PSB, de sair da base aliada e disputar a corrida presidencial contra o PT, no ano que vem. Numa conversa que durou longas seis horas, no fim de fevereiro, Wagner e Campos analisaram o cenário e levantaram hipóteses. O principal conselho do petista ao colega foi: costure seu projeto "por dentro". Por este plano, o governador de Pernambucano desistiria de 2014 e tentaria ser ungido o candidato da coalizão em 2018. Para isso, deveria batalhar para ser o ministro de uma Pasta forte.
Campos, como se sabe, evita depositar confiança na generosidade alheia. Mas Wagner afirma que, depois de 16 anos no poder (caso vença a eleição no próximo ano), seria natural, sim, que o PT ceda a cabeça de chapa a uma legenda parceira. "Acho que 16 anos em política é um número mágico, até porque eu ganhei do grupo do PFL [hoje DEM] quando eles completaram 16 anos [de poder na Bahia]. O PT quando completou 16 anos perdeu a Prefeitura de Porto Alegre. Tem a chamada fadiga de material", afirma Jaques Wagner.
Ao mesmo tempo, o governador reconhece que nenhum partido oferece a cabeça de chapa "graciosamente". Em entrevista exclusiva concedida ao Valor, Wagner lembra outra lógica que regeria as disputas eleitorais. "A racionalidade da política é governo e oposição". Logo, o melhor caminho para Eduardo Campos, se ele não quiser costurar sua candidatura por dentro, é se transformar num candidato de oposição. É para ela que os votos desaguarão, caso a economia vá mal, diz o governador, que reconhece ser ele próprio uma opção para a Presidência em 2018.
"Dentro do PT, se fizer uma lista de três, quatro nomes para 2018 o meu está no meio. Não é uma obsessão. Pois desejo alimenta a alma; obsessão cega. Quando vira obsessão, começa a fazer bobagem", afirma Jaques Wagner, que tem viajado pelo exterior para buscar investimentos para seu Estado, cujo PIB em 2012 foi de 3,1%, contra 0,9% do nacional. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: Como estão os investimentos na Bahia?
Jaques Wagner: Somos o terceiro investimento alemão no país, depois de São Paulo e Paraná. Isso por conta do investimento da Basf, o maior feito de uma vez só, nos cem anos da empresa no Brasil. É um investimento na cadeia acrílica no Polo Petroquímico de Camaçari, que termina no superabsorvente. Por conta disso, a Kimberly-Clark já está começando a produzir na Bahia. É a maior produtora mundial, já está programando em dezembro a começar a duplicar, por conta do mercado nordestino. Creio que eles estão com um olhar pro Nordeste, por ser a região que mais cresce. Nós mesmos [a Bahia] crescemos 3,1% contra 0,9% [do país, em 2012]. Foi o segundo no Nordeste, o Ceará cresceu 4%.
Valor: E a previsão para 2013?
Wagner: Estou fazendo a conta deste mesmo tanto. Porque a base de cálculo vai apertando. No PIB industrial nós crescemos 4,2%. Foi o maior índice do Brasil, seguido de Goiás, com 3,8%.
"O adversário mais forte de Dilma será o candidato da oposição, não sei se Eduardo vai aceitar esse lugar"
Valor: Os empresários não se queixam da regulação?
Wagner: Já me perguntaram algo semelhante. Se eu teria sentido uma queda nesta demanda. O volume do que a gente tem encaixado, implantado e por implantar ao todo representa 160 empresas. A taxa de procura é muito grande. Óbvio que as reclamações vêm, mas não junto com a desistência. Reclamam da lentidão nas licenças ambientais, de muita paralisação quando é obra pública, de infraestrutura, por conta do Ministério Público etc.
Valor: Por que o senhor acha que há um encantamento dos empresários por estas candidaturas de oposição ou nem tanto assim, como a de Eduardo Campos?
Wagner: Nenhum empresário, em qualquer lugar do mundo, gosta de um poder muito forte. Porque pode oprimir, e o Estado mandar na sociedade. Fazer o jogo do contraponto é um jogo super-sadio da democracia. Eduardo Campos é meu amigo, tive uma longa conversa com ele e não vejo nenhum problema na pretensão dele, porque o político que diz que não tem pretensão já morreu ontem. Ele não pode fazer outra coisa se não dizer que quer. O vento está batendo. Ele vai recolher a vela?
Valor: Não é arriscado?
Wagner: Se o cara tomar gosto e tiver a decisão, não tem quem segure. A mesma coisa é o empresário. Na hora em que resolve fazer um investimento, mil pessoas dizem assim: "Você está maluco, vai dar errado". O risco é próprio da atividade política e empresarial. É um cara que tem potencial, mas prefiro que ele desenvolva o potencial dentro do grupo. Muita gente tem se encantado com essa novidade porque como o candidato de oposição [o senador mineiro Aécio Neves, do PSDB] não encanta até agora, não agrega, não mostra substância, fica sem graça se não tiver contraponto.
Valor: Os empresários estão nesta corte ao Eduardo Campos para pressionar a presidente?
Wagner: Não para pressionar, mas para dizer que tem uma taxa de correção de caminho que eles gostariam. É óbvio que entre isso e concretizar uma candidatura é um longo caminho. Fui lá conversar com ele e dizer: "Você deveria tentar fazer isso por dentro". É óbvio que alguém pode dizer: "Mas o PT nunca vai abrir a possibilidade para alguém de outro partido". Não acho. Sou defensor de que o PT pense também nesta hipótese. Porque nós não podemos ser um grupo político de um partido só. Tem que admitir a prosperidade de outros parceiros. Não é agora porque ela [Dilma] carrega a legitimidade da reeleição. O tempo certo da discussão é 2018. O PT vai estar completando 16 anos no poder e 16 anos em política é um número mágico, até porque eu ganhei do grupo do PFL quando eles completaram 16 anos. O PT quando completou 16 anos perdeu a Prefeitura de Porto Alegre. Então, acho que tem a chamada fadiga de material.
Valor: Mas ele, talvez com toda razão, não acredita em acordo com quatro anos de antecedência.
Wagner: Entre os nossos aliados ele é o nome mais colocado. Tem uma longa trajetória. Ser candidato agora também não garante nada para ele [tornar-se nacionalmente conhecido e vencer] em 2018. O Ciro [Gomes, em 1998 e 2002] foi candidato, bem votado, e não prosperou. O Garotinho [em 2002] foi bem votado e não prosperou. Ele também tem este problema. Apesar de termos 30 partidos, as pessoas, querendo ou não, trabalham com o conceito governo e oposição.
Valor: Mas o PT cederia para o Campos em 2018?
Wagner: Ninguém cede o poder graciosamente. O PSDB desde que FH foi candidato em 1994 nunca cedeu lugar para o DEM para puxar a fila. Agora estão discutindo o Serra, o Alckmin, e não o Agripino [Maia, senador do DEM] ou qualquer outro nome. Ninguém oferece. Mas todos os meus aliados cresceram muito nos seis anos de governo, o PDT, o PSB, o PSD que não existia lá. Eu gosto de ter aliado forte. Aí depende da sua competência de fazer a gestão da aliança.
Valor: É possível o Eduardo Campos montar palanques com dissidentes do PSDB, a exemplo da aproximação dele com o prefeito de Manaus Arthur Virgílio?
Wagner: Na racionalidade - e a política não é só racionalidade - o grande caminho é se ele se transformar num candidato de oposição. É o jogo pra ser jogado. Óbvio que ele poder ir como terceira ou quarta via. Acho que vai ter o PT, o PSDB e a Marina [Silva], que tem um espaço próprio, numa espécie de negação da política, aliada a uma bandeira ambiental e evangélica, e teve resultado espetacular [votação de quase 20% em 2010].
Valor: Ela repete esse resultado?
Wagner: Eleição envolve muita emoção. Ela ganhou em Brasília, mas não no Estado dela [Acre].
"O problema é que Dilma é muito ciosa e quer saber de tudo antes de ir para a rua, mas é que ela tem urticária com o malfeito"
Valor: O que há de racional?
Wagner: O candidato mais forte para enfrentar a Dilma é o candidato de oposição, em tese do PSDB. Se o Eduardo vira o comandante do PSB, do PSDB, do DEM... Mas aí não sei se ele vai aceitar ou não. São decisões dele. Porque montar palanques nos Estados é outro problema. A lógica dos partidos no Estado é crescer; a lógica de quem está na campanha majoritária é ganhar. Essas duas lógicas nem sempre se combinam. Quem ganhou em São Paulo? Não foi o Russomanno [PRB]. Tinha tudo para ganhar, estava na frente, era outsider na dicotomia PT e PSDB.
Valor: Mas o senhor acha que o PSDB que governou o país duas vezes e tem oito governos estaduais abriria para o governador de um partido bem menor?
Wagner: Só se eles acharem que não tem ninguém para concorrer. Não quero fechar nenhuma porta porque tenho uma missão muito clara. Quero manter o Eduardo na aliança. Vou trabalhar por isso.
Valor: Foi esse seu objetivo nesta conversa de seis horas?
Wagner: Não tinha missão dada por ninguém. Eu, na verdade, fui lá [em Pernambuco] para um debate [em seminário] da [revista] "Carta Capital". Sentamos para uma conversa de uma hora e meia, e saí de lá, da governadoria, meia-noite e meia. Fui fazer intriga do bem. Ele é um quadro do lado de cá, tem história. Agora, é óbvio que tem que ter espaço para crescer.
Valor: O que vocês conversaram?
Wagner: De coisas pessoais até a conversa que ele tinha tido com a Dilma, que ele achou excepcional, e aí ficamos conversando sobre estas hipóteses todas. Porque ser vice não necessariamente é o caminho para ser presidente. Quem é que foi candidato do Fernando Henrique? O ministro dele da Saúde [José Serra, em 2002]. Quem é que foi a candidata do Lula? A ministra da Casa Civil. Então, me parece que é muito mais próprio para alguém que queira se projetar, fazer uma conversa, que não é agora naturalmente.
Valor: O senhor propôs essa possibilidade de ele vir a ser ministro ou foi ele que sugeriu?
Wagner: Não, isso tudo fui eu que falei. Ele ouviu e deve ter ficado refletindo.
Valor: Em que ministério seria mais apropriado?
Wagner: Não sou eu que vou escalar os ministros da Dilma. Evidentemente eu converso com ele e vou para ela [Dilma] e digo: "Olha, tive uma conversa ótima, ele adorou a sua conversa".
Valor: E por que ele adorou a conversa com a Dilma?
Wagner: Não entrei em detalhes, mas ele disse que foi uma conversa muito franca, na qual ela tocou em pontos como esse, da importância do sucesso dele, acho que foi uma coisa muito do tipo, "não tenho interesse nenhum em empurrar ninguém para fora". Ele me disse que gostou bastante da conversa. Teve o episódio da [disputa entre PT e PSB pela] Prefeitura do Recife que aí foi um show de coisas equivocadas feita por todo mundo. Então aquilo é que acendeu muito a ideia de que o Eduardo está preparando a luta contra o PT. Mas o PT está no governo dele em Pernambuco, como ele está no governo da Dilma, como eles estão no meu governo, e como devem estar em outros governos do PT.
Valor: Como se iniciaram as conversas com o Eduardo?
Wagner: Evidentemente não sou articulador político da Dilma, mas converso muito com ela. No réveillon, ela foi passar lá [na Bahia] e o chamou para almoçar. Ele foi com Renata [mulher de Campos] e eu fui com Fatinha [mulher de Wagner]. E também foi uma conversa de quatro horas, quatro horas e meia. Mas foi uma conversa em que ninguém falou de eleição de 2014. Depois, ela o chamou para uma conversa que eu diria mais política, lá no Palácio da Alvorada, entre janeiro e fevereiro. Foi a conversa que ele relatou para mim.
Valor: Mas a decisão política do Eduardo Campos de se candidatar já não está tomada?
Wagner: Ele me disse que não. Alguns acham que dessa conversa que tivemos em fevereiro para cá, a sucessão de declarações dele ou de aliados dele aponta que teria tomado uma decisão. Só ele que sabe e vai anunciar. [O encontro entre os governadores foi em 25 de fevereiro]
Valor: Ele não cresceria politicamente ao receber apoios de partidos descontentes, de empresários?
Wagner: Esse campo intermediário é fundamental, mas se chegar maio e junho, perto da época das convenções, e ele tiver 5%, 6%, 7% não é todo mundo que vai botar as suas fichas. Principalmente no mundo da política. Porque uma coisa é o comandante do partido. Outra coisa é em cada Estado e os deputados federais e estaduais que querem se reeleger e dependem de um palanque forte. Se não tiver a visualização de um palanque forte, não sei nem se terá unidade no PSB inteiro. Tem lugar em que o aliado está doido para que ele seja candidato; e tem lugar que é exatamente o contrário, em que o cara está todo encaixado numa aliança de governo e que prefere não quebrar isso. Esse é o problema.
Valor: O que falta à Dilma fazer?
Wagner: Do ponto de gestão dela seria - qualidade pode virar problema - não ser tão ciosa como ela é de cada coisa que vai acontecer no governo dela.
Valor: Por exemplo.
Wagner: De tudo, porque ela quer ver o que está acontecendo. O boi só engorda com o olho do dono. Eu diria que isso a Dilma tem até porque ela vem de ser chefe da Casa Civil. Mas é a cabeça dela. E repare que a cabeça dela vem ao encontro de tudo o que a sociedade quer. Ela tem urticária com malfeito.
Valor: Ela deve descentralizar?
Wagner: Não estou falando em descentralizar porque os ministérios existem. O problema é que ela, eu diria, quer saber, antes de ir para rua, de tudo. Agora, não é só ela, não. Temos um momento mundial e temos o Estado brasileiro. Alguém fala aqui com tranquilidade quando um órgão de controle paralisa uma obra? O [empresário Jorge] Gerdau falou comigo: deveria ser proibido parar uma obra. Quem para não é o governo federal. Quem para é Tribunal de Contas e ai do governo federal se disser que é contra. É um bom debate saber qual é o melhor ponto de equilíbrio. Porque vivemos a República da desconfiança. Todo mundo é ladrão até prova em contrário.
Valor: Na Bahia, o PMDB pode aglutinar a oposição em torno da candidatura de Geddel. Neste caso, ele pode dar um palanque para um adversário de Dilma?
Wagner: Fica meio perna quebrada. Porque se o Michel [Temer, vice-presidente da República, líder do PMDB] estiver lá de vice [na chapa], não vai ter nem o Michel no palanque dele. Não acho que isso vai acontecer. O [ACM] Neto [prefeito de Salvador] está fazendo a conta dele para 2018.
Valor: Quem é o seu candidato à sucessão?
Wagner: Por enquanto, a gente ainda não escolheu.
Valor: E o senhor, o que fará?
Wagner: Eu, quase certamente, irei até o fim do mandato.
Valor: Aí o senhor vai para o ministério.
Wagner: Primeiro, é preciso ela [Dilma] ganhar. Depois, me convidar.
Valor: O senhor tem alguma dúvida de que ela ganhando o senhor iria para o governo?
Wagner: Posso ir para um ministério ou para uma posição mais da equipe em torno dela. Ela até gostaria que eu fosse ao menos deputado federal, para ter mandato no governo. Posso até ser, mas 90% [da probabilidade] hoje é ir até o fim do governo. É que se criou essa regrinha: presidente da República acaba o segundo mandato, e acaba. Prefeito acaba o segundo mandato, e acaba. Como governador coincide com eleição para senador, aí se criou a regrinha: eleito, reeleito, senador. Tem nada a ver.
Valor: Num eventual segundo governo Dilma, como ministro, o senhor se torna, de imediato, o candidato número 1 na sucessão dela.
Wagner: Repare: hoje, dentro do PT, se fizer uma lista de três, quatro nomes para 2018 o meu nome está no meio. Mas eu acho que o caminho é pegar a segunda geração do PT e botar para começar a ocupar.
Valor: Quem é a nova geração?
Wagner: Eu falo que tem que começar a ocupar, tem o Haddad [prefeito de São Paulo], por exemplo. O meu nome está, não estou tirando da lista. Essa não é uma obsessão minha. Eu brinco: desejo alimenta a alma, obsessão cega. Quando vira obsessão começa a fazer bobagem para caramba.
Valor: Lula não poderia voltar?
Wagner: Não vejo o Lula voltando em 2018. Não tem cabimento, porque a gente tem um compromisso que a democracia brasileira não pode ser dependente de um ou de dois nomes, tem que ser cada vez mais madura. Eu acredito muito em partido político, acho que um dos problemas que a gente tem é que a gente tem poucos partidos políticos. Os dois grandes que surgiram depois da ditadura foram o PT e o PSDB.
© 2000 – 2012. Todos os direitos reservados ao Valor Econômico S.A.
Assinar:
Postagens (Atom)