quarta-feira, 22 de junho de 2011

Entrevista: Bill Clinton.

Segue abaixo a entrevista concedida pelo ex-presidente dos Estados Unidos da América à revista Veja dessa semana. Hoje, o ex-presidente percorre o mundo para difundir a ideia da sustentabilidade dos recursos naturais. Vejamos.
Bill Clinton  
A energia limpa dá lucro
O ex-presidente americano que se reinventou como personalidade global acredita que o casamento da racionalidade econômica com a sustentabilidade via salvar o planeta. 
Mais forte candidato ao posto de melhor ex-presidente vivo dos Estados Unidos, Bill Clínton, de 64 anos, descobriu-se, em muitos aspectos, mais realizado agora do que quando ocupou a Casa Branca, de 1993 a 2001. Em uma reflexão amarga ainda no cargo, Clinton disse que ser presidente dos Estados Unidos era, muitas vezes, tão frustrante quanto dar ordens em um cemitério, "pois ninguém abaixo parecia escutar" o que ele estava dizendo. Ele hoje viaja o mundo supervisionando as iniciativas da Clínton Foundation, que vão da prevenção da malária, da aids e da obesidade infantil à melhoria das condições ambientais das quarenta mais populosas metrópoles do planeta, com foco em energia limpa e na transformação dos lixões urbanos em avançados centros de reaproveitamento de energia. Clínton deu entrevista a VEJA há poucos dias, na suíte presidencial do hotel Sheraton, em São Paulo.
Seis anos depois de lançar-se nessa atividade, o senhor coleciona mais triunfos ou frustrações?
Nós, comprovadamente, melhoramos a vida de mais de 200 milhões de pessoas necessitadas no planeta. A cada ano, juntam-se a nós milhares de pessoas dispostas a nos ajudar a ajudar a quem precisa. Essas pessoas se comprometeram no total com 63 bilhões de dólares que financiam nossas inúmeras atividades.
Elas são pródigas com o senhor por acreditarem que o dinheiro será bem gasto?
Primeiro, porque elas têm a perfeita consciência de que não estão doando dinheiro para ganhar o direito de se sentar com alguns figurões e, assim, sentir-se importantes. Elas sabem que o dinheiro delas será usado para fazer coisas que efetivamente mudarão para melhor a vida dos indivíduos e a saúde global do planeta. Conosco, há pouco discurso e muita ação. Nós fazemos. Se der errado, tentamos novamente.
Qual é o seu papel na operação?
Contribuí com a ideia inicial em 2005 e, desde então, venho ajudando a definir as regras e montar a rede mundial de colaboradores. É assim que funcionamos. Dizemos: as regras são essas, agora façam vocês alguma coisa com impacto direto na vida de quem precisa de ajuda no mundo.
Quando o senhor lançou a Clinton Initiative, em 2005, já não existiam organizações não governamentais (ONGs) demais?
Esse foi um dos fatores que mais me animaram. Existiam então cerca de 500000 ONGs no mundo. Havia muita geme fazendo trabalhos sem uma coordenação, muitas vezes sem foco e algumas com pouca transparência. Minha ideia foi juntar filantropos, governos, empresas, líderes políticos mundiais de quem fiquei amigo no governo, caso do seu ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e montar uma estrutura com menos palavrório, mais ação e comprometimento. O segundo fator foi o fato de que nos Estados Unidos e em outras partes do mundo havia um número enorme de gente muito rica disposta a doar dinheiro para as boas causas, mas que temia estar desperdiçando sua fortuna. Então decidi que, se montasse uma organização mundial transparente e eficiente, essas pessoas se sentiriam mais seguras e ajudariam mais. É o que tem ocorrido.
De modo geral, as ONGs gastam melhor o dinheiro do que os governos?
 Os governos podem ser tão eficientes quanto as ONGs, mas é preciso que se movam dentro de bitolas éticas muito rígidas.
O que é mais eficiente quando se trata de ajudar necessitados a se levantar e caminhar com as próprias pernas?
Temos boas experiências a relatar com a concessão de microcrédito. Muita coisa foi aprendida desde a experiência pioneira de Muhammad Yunus e do Grameen Bank em Bangladesh. Eu conheci o Yunus em 1983. Hillary (mulher de Bill e secretária de Estado dos EUA) e eu éramos amigos do fundador de um banco comunitário em Chicago, o Shore Bank, e ele nos apresentou o Yunus. Ficamos curiosos por saber se ele achava que a experiência do microcrédito teria impacto em países ricos. A resposta foi positiva. O próprio Shore Bank já havia conseguido fazer coisas extraordinárias ao financiar carpinteiros negros pobres e eletricistas que haviam acabado de emigrar da Croácia, alocando-os nos trabalhos de reconstrução de edifícios na degradada região sul de Chicago. Hoje tem agência do Grameen BanI até em Nova York.
Qual foi a grande evolução do banco comunitário?
Foi a constatação de que, se o microcrédito sozinho já faz um bem enorme ao ajudar as pessoas a entrar no sistema de economia de mercado e ganhar a vida nele, seus efeitos podem ser ainda mais impactantes quando estendidos aos pequenos empreendedores. Temos visto isso no Haiti. Os bancos no Haiti ganham muito dinheiro cobrando taxas elevadas para converter remessas feitas do exterior em dólares e euros para gurdes, a moeda local. Como se sabe, 25% do PIB do Haiti é formado por remessas de dinheiro para os haitianos feitas por parentes, principalmente dos Estados Unidos, Canadá e Europa. O que ocorre quando um haitiano pobre e de espírito empreendedor recorre a um banco local em busca de, digamos, 100000 dólares para abrir um pequeno negócio? O banco quer cobrar dele taxas anuais de juros de 50% sobre o empréstimo. É absolutamente ridículo. Então, a coisa certa a fazer é oferecer crédito a taxas razoáveis para empreendedores, de modo que eles possam se estabelecer, ganhar dinheiro e pagar o empréstimo. É o que estamos fazendo no Haiti.
São operações a fundo perdido?
Não. São operações bancárias que dão lucro. No nosso caso, recebemos 20 milhões de dólares do milionário mexicano Carlos Slim e do não menos rico Frank Giustra, do Canadá, para emprestar a pequenos empreendedores do Haiti. Eles vão ter lucro nessas operações, mas já se comprometeram a reinvestir nos mesmos moldes. O que estamos fazendo no Haiti é um modelo de grande futuro, em que ONGs, empresários e o governo trabalham juntos para identificar as carências e agir coordenadamente para resolver os problemas com maior eficiência.
Mas lucro rima com ONG?
Sim. Queremos que esses investidores tenham lucro. Não existe incompatibilidade. Sem lucro, as operações de microcrédito tendem a não ser sustentáveis. É preciso, porém, que a busca do lucro seja alinhada a objetivos sociais. Aprendi que as ações mais eficientes de ajuda são justamente aquelas construídas sobre bases econômicas sadias e com remuneração adequada para todos os envolvidos. Parte vital do nosso trabalho é tornar isso evidente para as empresas.
Como funciona essa equação?
Um caso clássico em que amamos foi no barateamento do preço dos remédios contra a aids. Nós procuramos os laboratórios fabricantes dos remédios e mostramos a eles que nas vendas aos países emergentes e pobres era um erro insistir em obter grandes margens de lucro com baixos volumes e ainda correr o risco de não receber nada de governos instáveis e pouco confiáveis. Por que não inverter o processo, vendendo diretamente a nós grandes quantidades, com pagamento à vista, mas recebendo margens de lucro bem menores? Para os laboratórios, fornecer remédios assim se tornou um bom negócio, um negócio diferente, porém, em que o interesse privado se alinha com o interesse social.
A multiplicação das 0NGs significa que o governo, como o conhecemos, fracassou?
No Haiti com certeza. O país tem 10 milhões de habitantes e 10000 ONGs. Mas, mesmo com a melhoria do governo e o fortalecimento da economia, fenômenos que estão ocorrendo agora, o Haiti ainda vai precisar das ONGs. O Bolsa Escola, programa criado pelo presidente Cardoso e ampliado por seu sucessor, o presidente Lula, é um exemplo de ação governamental bem-sucedida que não precisou das ONGs para funcionar. Mas, quando o Brasil decidiu, de maneira inédita no mundo, fazer exames e levar remédios contra a aids aos recantos mais isolados da floresta tropical amazônica, a rede capilar de ONGs, em especial as ligadas à Igreja Católica, foi de extrema importância para o sucesso da operação. Quando começamos nosso trabalho com a aids, havia fora dos Estados Unidos, Japão e Europa apenas 200000 pessoas que recebiam tratamento adequado para a doença. Dois terços delas, 135000, estavam no Brasil.
Quando o senhor pensa nos resultados positivos que vem obtendo, não tem a sensação de que muito mais poderia ser feito?
É realmente complicado. É extremamente recompensador segurar um bebê nos braços e saber que ele vai viver graças a alguma coisa que você fez. Mas é inacreditavelmente frustrante ter a consciência de que, para cada pessoa que você ajudou a sobreviver, duas ou três na mesma situação vão morrer. Então o impulso maior é tentar a cada dia fazer mais e atingir positivamente mais pessoas. É frustrante também saber que certas políticas e atitudes funcionam, mas não ter mais o poder de mudar o sistema diretamente e pô-las em prática.
Saudade da Casa Branca?
Amo o que eu venho fazendo desde que deixei o governo. Sinto que estou pronto para fazer muito ainda, mas não deixa de ser frustrante tomar consciência de que, se tivesse poder político, teria como evitar que meu país continuasse com políticas energéticas equivocadas que, se mudadas, poderiam criar milhões e milhões de postos de trabalho. Mas, sem poder político, tudo o que posso fazer agora é tentar convencer e demonstrar com meus projetos que estou certo.
Não é catastrofismo a ideia de que estamos destruindo o planeta ...
Se estivéssemos mesmo, será que já não teríamos um Bretton Woods ou um Plano Marshall ambiental global? Há uma diferença enorme entre termos falhado em conseguir um acordo global na cúpula de Copenhague em 2009 e os fracassos dos países individualmente em atingir as metas de corte nas emissões de carbono com as quais se comprometeram no Protocolo de Kyoto. São duas coisas diferentes, que, se confundidas, produzem uma visão equivocada da questão. Apenas quatro dos 24 países ricos signatários do Protocolo de Kyoto estão dando mostras de que vão atingir as metas. Os demais falharam - e não por discordarem das premissas envolvidas naquela decisão, mas por não terem encontrado a solução econômica para fazer o que acreditavam ser o correto. Já Copenhague fracassou, basicamente, porque a China e a Índia não quiseram se comprometer com metas que pudessem ameaçar o ritmo de crescimento acelerado de suas economias. Os avanços estão abaixo da superfície. Tomemos o caso da China. Mais até do que muitos americanos, os chineses sabem que suas escolhas energéticas atuais são insustentáveis. A China está trabalhando arduamente para mudar sua matriz energética, apostando tudo na energia solar, não apenas como uma forma de ajudar a salvar o planeta, mas para que suas empresas lucrem formidavelmente. A China tomou-se o maior produtor mundial de células fotovoltaicas.
De fora, qual é a imagem ambiental do Brasil?
Vocês são vistos de duas maneiras. A boa mostra um país ambientalmente exemplar, que diminuiu o ritmo do desmatamento, tem 90% da frota de automóveis que pode ser movida a combustível biológico e quase toda a sua eletricidade gerada de maneira limpa por turbinas movidas à queda-d"água. A ruim revela um Brasil que usa pessimamente seu potencial de geração de energia solar, que, se aproveitado na sua plenitude, evitaria todas as pressões sobre a Amazônia que hoje preocupam o mundo, como o avanço das plantações sobre a mata nativa e as controversas novas hidrelétricas em terras indígenas.
O mundo tem o direito de cobrar bom comportamento ambiental do Brasil?
Eu não tenho o direito de pedir ao Brasil que diminua seu ritmo de crescimento enquanto houver um único brasileiro na miséria que possa ser guindado à classe média pelo progresso econômico. Mas o Brasil atingiu uma nova posição relativa no mundo à qual o país precisa corresponder, assumindo também as responsabilidades decorrentes do novo status quo. Entre essas responsabilidades, está a de fazer as escolhas energéticas mais compatíveis com a sustentabilidade planetária.

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