A morte de José Alencar ainda merece uma última reflexão. Trata do seu comportamento frente a uma doença tão estigmatizada quanto o câncer e do privilégio que teve por meio dos mais avançados e caros tratamentos. Sem dúvida, isso tudo precisa ser comentado, especialmente por ser o câncer uma doença pouco discutida e por estarmos vivendo uma grave crise no SUS (Sistema único de saúde). Para tanto, O Xiquexiquense se valerá de trechos de 3 textos de especialistas no assunto.
ALENCAR CONVIDOU O PAÍS A ROMPER ESTIGMA QUE RODEIA O CÂNCER(Luciana Holtz, presidente do ONCOGUIA, em Folha de SP de 31/03/11)
Ao se assumir com dor e não se encerrar em torno disso, ao viver sempre que possível o seu dia com normalidade, ao transformar por muitas vezes o quarto do hospital em seu ambiente de trabalho, José Alencar convidou o país a quebrar o estigma que rodeia o câncer e amputa a vontade de vida de milhares de brasileiros.
Cada internação e cirurgia anunciada, além de comover e mobilizar os brasileiros pela determinação de Alencar à vida, colocava o tema do câncer em espaço de discussão.
Quando a imprensa noticiava a prescrição de novo medicamento ao ex-vice-presidente, a chance de cura renovava-se também para outros milhares de brasileiros.
Quando se divulgava a disponibilidade no Brasil do tratamento de excelência que recebeu Alencar, abordavam-se os avanços do país nessa área e discutia-se o imenso caminho que teremos de avançar para oferecer a mesma atenção para quaisquer pacientes.
TRIBUTO A UM PACIENTE(Raul Cutait, chefe da equipe de Alencar, Folha de SP de 31/03/11)
Como na "Canção do Tamoio", de Gonçalves Dias, muitos logo entendem que "A vida é combate,/ Que os fracos abate,/ Que os fortes, os bravos/ Só pode exaltar".
No Brasil, acho que Alencar foi o exemplo público máximo de comportamento aberto, dividindo sua doença e seus sentimentos com a população em geral.
Foi antecedido por Mário Covas, que, quando governador, chegou a chorar em entrevista coletiva enquanto falava de si e de sua doença; por Ana Maria Braga, que, com sua capacidade de comunicação, mostrou grande dignidade ao falar de sua doença e de como a enfrentava; pela atriz Patrícia Pillar, que aumentou o time das pessoas que expuseram sua doença e ajudaram os brasileiros a entender e a conviver com o câncer.
Diga-se de passagem que, no presente, é possível curar mais de 50% de todos os casos diagnosticados de câncer, bem como ampliar o tempo de sobrevida, com qualidade e dignidade, daqueles que têm doenças incuráveis.
Na sua infindável procura pelo significado da vida, o homem usa explicações racionais, emocionais, científicas e religiosas.
Na busca de sentir que a vida valeu a pena, até mesmo sem entendê-la em sua plenitude, tenta conquistar amor, felicidade, paz, saúde, sucesso e tantas outras coisas.
Para mim, o José chegou lá!
O QUE NOS ENSINOU JOSÉ ALENCAR(José Gomes Temporão, ministro da saúde no gov. Lula, Folha de SP de 30/03/11)
Na luta contra o câncer, nosso Zé foi atendido pelos melhores médicos, operado nos melhores hospitais, teve acesso a medicamentos de alto custo e até mesmo experimentais. Tal padrão de qualidade dificilmente está acessível a tempo e hora ao brasileiro comum.
Esse fato era comentado com frequência pelo vice-presidente, mostrando com clareza seu grau de consciência sobre essa situação de exceção. O subfinanciamento crônico que asfixia o Sistema Único de Saúde (SUS) desde sua origem, há pouco mais de 20 anos, reserva apenas para os muito ricos o acesso pleno e ilimitado a todos os avanços da ciência médica.
A insuficiência de recursos financeiros expõe cotidianamente ao desamparo e a riscos a grande maioria dos brasileiros, que depende exclusivamente da saúde pública. E expõe também a riscos e a constrangimentos eticamente dolorosos os médicos e os demais profissionais de saúde.
Entretanto, nossa Constituição assegura a todos os brasileiros o direito à saúde, em seu sentido mais ampliado, e atribui ao Estado a responsabilidade pela garantia do acesso universal. A morte de José Alencar, portanto, também nos serve de alerta para a persistência de iniquidades intoleráveis no acesso ao direito à saúde. Que seja para todos. Sem distinção.
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