quinta-feira, 24 de março de 2011

Ficha limpa. Análise da decisão do STF.

Segue um bom exame, extraído da Folha de S. Paulo, sobre a interpretação da força da Lei da ficha limpa, pelo STF. É duro aceitar que a vontade de 1,5 mi de brasileiros não seja atendida. Mas no fundo não foi isso que o STF disse. Na verdade, ele atendeu a vontade do povo, mas não para já. Diziam os romanos: "dura lex, sed lex". É isso aí. Bola pra frente.

Escolha de artigo da Constituição define voto dos ministros

Regras podem ser mudadas desde que não seja por motivos antidemocráticos de manipulação do poder

HÁ CONVERGÊNCIA ENTRE VENCEDORES E VENCIDOS NO STF; NÃO SE DEVE MUDAR REGRAS DO JOGO ELEITORAL DEPOIS DE INICIADO

JOAQUIM FALCÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Tendo todos os ministros mantido a mesma posição no julgamento da candidatura de Joaquim Roriz, o novo e decisivo voto decisivo foi do ministro Luiz Fux. A partir daí, duas constatações.
Primeiro, o Supremo é a favor da Lei da Ficha Limpa, que é definitivamente constitucional. Será aplicada nas futuras eleições para prefeito e para todas as outras.
Segundo, a lei não valeu para estas eleições, e o julgamento sobre a candidatura do senhor Leonídio Bouças tem repercussão geral. Valerá para todos os 30 e poucos candidatos que foram condenados por improbidade, mas tiveram votos para se eleger.
O voto de Fux se estruturou da seguinte maneira. Antes, escolheu qual o artigo da Constituição em que se basearia. Escolheu o artigo 16 que diz: "A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência".
Poderia ter escolhido outro. Como os artigos que tratam da moralidade da administração pública e que valem para os congressistas também. Como propôs o ministro Ricardo Lewandoski.
A Constituição, na sua aplicação, é muito contraditória.
Essa escolha do artigo é fundamental e é sempre uma surpresa. Um momento de expectativa e de tensão da sociedade. Um momento de insegurança jurídica temporária. Nessa livre escolha se esconde e se explicita o poder do magistrado. É ato de vontade do ministro. A Constituição não predetermina o artigo a escolher. Há flexibilidade interpretativa.
Dada a escolha do artigo, a argumentação é consequência natural. A Lei da Ficha Limpa foi aprovada um ano antes das eleições? Não. Alterou o processo eleitoral? Sim, se se entender que o processo inicia um ano antes do dia do voto, ou seja, em outubro de 2009. Não, se o processo se iniciar só depois do prazo do registro das candidaturas, ou seja, depois do dia 5 de julho de 2010. O ministro Fux optou pelo sim. A lei não valeu.
Existe uma convergência entre vencedores e vencidos no STF. Não se deve alterar as regras do jogo eleitoral depois de ele ter começado, pois cria insegurança jurídica. A maioria vai mudar sempre a seu favor. Saímos da democracia. Ou seja, não se mudam regras para evitar que a minoria seja sempre prejudicada. Mas existe também uma divergência. As regras podem ser mudadas desde que não seja por motivos antidemocráticos de manipulação do poder. Esse foi o debate. Agora é avaliar, refazer as contas e ver, finalmente, quem foi eleito e quem não foi.

JOAQUIM FALCÃO é professor de direito constitucional da FGV Direito-Rio.

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