sexta-feira, 18 de março de 2011

O Começo.

O início das coisas sempre é um pouco complicado. Não se sabe muito bem o que vai fazer, o que vai falar. Sempre existe o medo de dá errado, de como será compreendido e criticado. É angustia, frio na barriga, garganta entalada. Mas será que não é isso que dá o prazer de começar? Não se sabe ao certo, mas achamos que sim. Então vamos lá. E seja o que deus quiser. "Alea jacta est", já disse um romano.

O Xiquexiquense é apaixonado por política, o que não se confunde com politicagem. Mas esse blog não se resumirá a isso. Iremos tratar de tudo o que se relaciona com as ciências sociais. Caso goste de um bom texto e de uma boa reflexão, pode entrar.

Como boas vindas, segue abaixo uma reflexão muito interessante sobre a relação entre política e verdade. O texto foi retirado de uma prova de concurso da Fundação Carlos Chagas. Tem pois suas adaptações. A íntegra é encontrada aqui: http://hannaharendt.org.br/2009/09/14/sobre-a-mentira/


SOBRE A MENTIRA.
(Celso Lafer. O Estado de S. Paulo, A2, 20 de julho de 2008, com adaptações)

Não é usual tratar da política na perspectiva da afirmação da verdade. Platão afirmou, na República, que a verdade merece ser estimada sobre todas as coisas, mas ressalvou que há circunstâncias em que a mentira pode ser útil, e não odiosa. Na política, a derrogação da verdade pela aceitação da mentira muito deve à clássica tradição do realismo que identifica no predomínio do conflito o cerne dos fatos políticos. Esta tradição trabalha a ação política como uma ação estratégica que requer, sem idealismos, uma praxiologia, vendo na realidade resistência e no poder, hostilidade.

Neste contexto, política é guerra e, como diz o provérbio, "em tempos de guerra, mentiras por mar, mentiras por terra". Recorrendo a metáforas do reino animal, Maquiavel aponta que o príncipe precisa ter, ao mesmo tempo, no exercício realista do poder, a força do leão e a astúcia ardilosa da raposa. Raposa, leão, assim como camaleão, serpente, polvo – metáforas que frequentemente são utilizadas na descrição de políticos – não podem, com propriedade, caracterizar o ser humano moral que obedece aos consagrados preceitos do "não matar" e do "não mentir", como lembra Norberto Bobbio.

No plano político, o realismo da força torna límpida, numa disputa, a bélica contraposição amigo-inimigo. Já o realismo da fraude é mais sutil, pois opera confundindo e aumentando a opacidade e a incerteza na arena política, como acentua Pier Paolo Portinaro. Maquiavel salienta que a fraude é mais importante do que a força para assegurar o poder e consolidá-lo. É por esse motivo que a simulação, o segredo e a mentira são temas da doutrina da razão de Estado e a veracidade não é usualmente considerada uma virtude característica de governantes.

Sustentar a simulação e a mentira como expedientes usuais na arena política é desconhecer a importância estratégica que a confiança desempenha na pluralidade da interação humana democrática. A confiança requer a boa-fé que pressupõe a veracidade. O Talmude equipara a mentira à pior forma de roubo: "Existem sete classes de ladrões e a primeira é a daqueles que roubam a mente de seus semelhantes através de palavras mentirosas." O padre Antônio Vieira afirmou que a verdade é filha da justiça, porque a justiça dá a cada um o que é seu, ao contrário da mentira, porque esta "ou vos tira o que tendes ou vos dá o que não tendes". Montaigne observou que somente pela palavra é que somos homens e nos entendemos. Por isso mentir é um vício maldito. Impede o entendimento.

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