O Xiquexiquense passa a contar a partir de agora com a seção Com a palavra, em que se abre espaço para artigo assinado por um cidadão ou uma cidadã com representatividade na sociedade, tratando de tema de interesse do xiquexiquense. Esses artigos são retirados de jornais de grande circulação e que ficariam restrito aos leitores desses jornais. Como não é todo mundo que tem acesso a tais meio de comunicação em nossa cidade, O Xiquexiquense faz questão de repassá-los aos nosso público leitor. O que segue foi extraído do jornal O Globo de hoje.
Ceifando vidas :: Chico Alencar
"Quando uma castanheira tomba, é como se morresse uma mãe de família" (José Claudio Silva, agricultor e ambientalista, 1953/2011)
"Urbanoides!" Assim são classificados pelos ruralistas os parlamentares que se opõem à flexibilização do Código Florestal. O adjetivo redutor revela visão estreita e compartimentada, de um Brasil urbano que não teria conexões com o Brasil rural. Os 2/3 da população brasileira que vivem nas regiões metropolitanas sofrem também as consequências de uma ocupação do solo que agrava tragédias, como na Região Serrana do Rio.
Código Florestal é assunto nacional, planetário. O que se aprovou na Câmara dos Deputados - e está em discussão no Senado - merece, segundo a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), mais tempo de exame. Mas o afã do lucro e da anistia de multas por desmatamento anda afoito...
Em 1965, a proposta do Código que atualizava o primeiro, de 1934, alertava: "Ocorrem inundações cada vez mais destruidoras, pela remoção desordenada das florestas, afetadas em sua função hidrogeológica e antierosiva." Quase meio século depois, as derrubadas, na Amazônia, nos últimos oito meses, cresceram 27%!
As mudanças aprovadas por 410 deputados são insustentáveis. Pequenos agricultores, carentes de créditos e apoio por serviços ambientais, foram usados como biombo para liberar grandes desmatadores. Estudos do Ipea demonstram que as alterações, se confirmadas, representarão, só nas Reservas Legais, perdas de 63% na Mata Atlântica, 50% nos Pampas, 38% no Cerrado, 24% na Amazônia e 16% no Pantanal. Representantes do agronegócio - os 3% de proprietários que controlam 65% das terras - consideram Reserva Legal e Área de Preservação Permanente "um ineditismo brasileiro, um confisco ao direito de propriedade".
Quem decodifica o projeto Aldo Rebelo (PCdoB), fertilizado pela emenda do PMDB, vê que ele enfraquece a Lei de Crimes Ambientais, esvazia o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) e o papel do MP, fraciona a gestão integrada, permite atividade agrossilvopastoril em APPs, das quais foram excluídas várzeas, dunas, veredas e manguezais, autoriza pastagens em topo de morros, exclui o termo "florestal" de manejo sustentável, favorece a exploração ilimitada do Pantanal e atribui aos estados, com sua maior vulnerabilidade a pressões, as licenças ambientais até aqui exclusivas da União.
No século do aquecimento global e da transição para uma economia de baixo carbono, a decepação do Código Florestal é antieconômica. Está provado que cuidado ambiental melhora a produtividade agrícola: o fortalecimento do regime hídrico e da polinização aumenta em 50% a produção da soja, 40% a do café, 35% a do algodão. O clamor mundial por uma cadeia produtiva limpa impõe barreiras a produtos de país que fraqueja sua proteção ecológica.
Árvores e vidas humanas ceifadas: nos últimos 15 anos, apenas no estado do Pará, 212 pessoas foram mortas, além de 809 estarem sofrendo ameaças. Podados em sua dignidade, 28 mil seres humanos foram reduzidos à condição de escravos. Os mandantes de assassinatos e exploradores do trabalho sentem-se à vontade, autorizados pela impunidade. Concentração fundiária, contrabando de madeira e omissão do poder público formam um rio poluído que desemboca na matança. Até quando?
CHICO ALENCAR é deputado federal (PSOL-RJ).
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Quando for comentar, seja respeitoso! Boas maneiras não prejudicam ninguém.