sexta-feira, 10 de junho de 2011

Com a palavra: Fernando Gabeira.

O Xiquexiquense passa a contar a partir de agora com a seção Com a palavra, em que se abre espaço para artigo assinado por um cidadão ou uma cidadã com representatividade na sociedade, tratando de tema de interesse do xiquexiquense. Esses artigos são retirados de jornais de grande circulação e que ficariam restrito aos leitores desses jornais. Como não é todo mundo que tem acesso a tais meio de comunicação em nossa cidade, O Xiquexiquense faz questão de repassá-los aos nosso público leitor. O que segue foi extraído do jornal Estado de S. Paulo de hoje.
Nuestra América vermelha :: Fernando Gabeira
Ao comentar a vitória de Ollanta Humala, no Peru, o venezuelano Felix Aguillara afirmou que ela vai dar a muitos a sensação de que o futuro pertence ao socialismo do 21. Quando li essa frase, sorri. As pessoas que acreditam no socialismo não precisam de uma vitória eleitoral, pois sempre acham que o futuro está com elas. No século passado, todas as nossas análises começavam com a frase: o capitalismo está em crise e o socialismo avança em todo o mundo.
Não há dúvida que a maioria da América Latina pendeu para a esquerda. O próprio Ollanta via sua vitória como uma fenda no cinturão conservador estendido no Pacífico, envolvendo Chile, Colômbia e México.
Mas a vitória eleitoral da esquerda representa realmente um avanço rumo ao socialismo? Por acaso, numa entrevista concedida antes de sua viagem ao Brasil, o filósofo húngaro Istvan Mészáros afirmou, melancolicamente, que a Europa está dividida entre duas correntes de direita. A social-democracia foi obrigada, em alguns países, a realizar a política típica dos conservadores. Ele parafraseava o escritor Gore Vidal, para quem os EUA são dominados por duas correntes de direita, republicanos e democratas, com apenas algumas nuances de diferença.
Quando se examinam as experiências de esquerda mais bem-sucedidas no continente, como é o caso do Chile no período anterior e do Brasil sob o governo do Partido dos Trabalhadores, constatamos que seu tom é moderado. Os dois governos podem ter alguns pontos de contato com a visão bolivariana, mas reivindicam sua singularidade. E essa singularidade, no caso brasileiro, tem imensa repercussão na imprensa peruana.
Seguir o exemplo brasileiro ou o modelo venezuelano? Eis uma questão mencionada pelo escritor Vargas Llosa após a vitória de Ollanta e repetida com insistência pelos observadores daqui. É como se duas cordas estivessem puxando o presidente eleito: uma para a esquerda, outra para o centro. No que depender do seu discurso, ele vai para o centro.
A equipe econômica de Ollanta Humala é praticamente a mesma do ex-presidente Alejandro Toledo (2001-2006), que preparou o país para o processo de crescimento que vive hoje. A maioria de seus técnicos fala em atrair investidores, garantir a independência do Banco Central e manter fidelidade ao regime de metas de inflação. Num país em crescimento econômico como o Peru, com todos os índices positivos, parece a saída mais racional, embora essas decisões sejam subjetivas e pertençam aos vencedores no processo eleitoral.
Quando pintamos o mapa da América Latina de vermelho, precisamos usar diferentes tons. Os países mais bem-sucedidos se aproximam do modelo social-democrata, enquanto alguns patinam numa transição para o socialismo e um deles, Cuba, há muito já está na lona. Os partidos de esquerda latino-americanos são parecidos com a social-democracia, mas ainda não caídos em sua desgraça europeia, ampliada no domingo com a derrota dos socialistas em Portugal.
O que marca a diferença da experiência brasileira e pode marcar também a trajetória do Peru é que ambos os países foram preparados previamente e entraram num ritmo de crescimento. Nesse caso, a habilidade consiste em manter os fundamentos da política econômica existente, incluindo nela a dimensão de esquerda sintetizada no lema de Ollanta Humala: crescimento com inclusão social. Transformar a inclusão social em mais um dínamo do crescimento é o que se espera de Ollanta, ao menos a julgar pelo discurso de um dos seus mais importantes eleitores.
O apelo de Vargas Llosa não se limita ao respeito aos marcos democráticos. É estendido ao campo da economia, no qual, acha ele, o grande segredo será atender às novas classes médias emergentes, que querem, sobretudo, garantir e ampliar sua prosperidade. No Peru o processo econômico foi generoso, mas o Estado não conseguiu acompanhá-lo nem com os serviços necessários nem com a inclusão de 10 milhões de pobres que ficaram à margem do crescimento.
Ollanta e a esquerda peruana não derrotaram uma candidatura aristocrática. Ao contrário, a base popular de Keiko Fujimori, parcialmente herdada de seu pai, Alberto Fujimori, é grande: ela venceu na capital, Lima. De um ponto de vista econômico, a presença do intelectual Hernando de Soto em sua equipe era a indicação de que a proposta girava em torno de um capitalismo popular.
De Soto compreendeu a vitalidade econômica da periferia metropolitana e defendeu em seus livros a ideia de que os favelados ganhassem o título de posse de suas casas, porque isso impulsionaria sua inclusão e sua prosperidade. Aliás, o primeiro ministro das Cidades do PT, Olívio Dutra, também quis avançar essa ideia no Brasil, mas ela acabou se perdendo no labirinto democrático. A base da popularidade de Keiko não se apoiava apenas no populismo de seu pai, mas também na promessa de transformar o Peru num país de proprietários.
O discurso voltado para as classes médias emergentes, assim como a promessa de inclusão dos 10 milhões de pobres, feitos por direita e esquerda, transcendiam a opções exclusivamente eleitorais. Parece que ambos compreendiam que, num contexto de crescimento econômico, inclusão social não é apenas um discurso, mas uma das formas de crescer.
O grande problema na Europa foi a crise do capitalismo, forçando a esquerda a tomar medidas de contenção e reduzir gastos sociais. A social-democracia sabe aplicar medidas de contenção. Mas não é o perfil histórico que projetou. Nesses casos, a descida para o inferno da derrota eleitoral é muito rápida. Quando as duas principais correntes políticas parecem um só partido, numa crise de grandes proporções, acontece o que aconteceu em Portugal: perde quem está no governo.
Nuestra América vermelha tem fôlego pela frente. Como teve a social-democracia europeia no pós-guerra. Distantes uma da outra, a vitória de Ollanta Humala no Peru e a derrota dos socialistas em Portugal, no domingo, têm uma razão transoceânica.
JORNALISTA

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